Baixar os juros deve ser apenas o começo. A fórmula completa do bom governo, de preferência com a participação sempre eficiente, desprendida e patriótica do PMDB, deve ser revelada em breve – espera-se – pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O primeiro passo é mostrar ao povo como o Tesouro Nacional desperdiça dinheiro com o serviço da dívida pública. O instrumento para isso é o recém-criado jurômetro, parecido com o impostômetro da Associação Comercial e com o mostrador da dívida americana instalado em 1989 em Nova York. Graças à iniciativa dos líderes da indústria, o cidadão brasileiro dispõe agora de informações essenciais para avaliar a administração do País. Por exemplo: com os R$ 216,9 bilhões de juros pagos pelo Tesouro até as 14h22 de 29 de novembro, seria possível construir 3,7 milhões de casas populares ou manter 104,9 milhões de crianças na escola. Também se pode converter aquele dinheirão em estradas, aeroportos, cestas básicas e outros itens valiosos para o bem-estar e a prosperidade dos brasileiros. Mas o cidadão um pouco mais atento observará, naturalmente, um detalhe: os números apresentados só têm sentido se a despesa total de juros for substituída por aquelas aplicações. Será isso possível ou mesmo desejável?
Como a resposta deve ser negativa, alguém fica devendo alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, qual seria a taxa aceitável para o Brasil? Algo na faixa de zero a 0,25% ao ano, como nos Estados Unidos? Talvez 6,5%, como na Hungria? Nenhuma das anteriores? Definido um número, ou pelo menos um intervalo, outra questão se impõe: qual a taxa real desejável? A partir daqui o assunto se torna um tanto complicado.
A taxa real é a diferença entre a nominal e a inflação. Não se inventou ainda um meio de fixar as duas ao mesmo tempo. Essa é uma deficiência notória dos economistas e, de modo geral, das autoridades econômicas. Também não conseguem determinar simultaneamente os valores nominais e reais do câmbio, nem dos salários. Na falta de outra solução, já tentaram amarrar as duas séries de valores por meio de um mecanismo aparentemente engenhoso, conhecido como indexação. O resultado foi um tanto decepcionante. Uma das consequências, no Brasil, foi a inflação inercial, ainda não eliminada inteiramente.
Abandonados os truques e mágicas, a determinação do juro real continua sendo um desafio para os condutores da política. A pior parte, como em todo o mundo, é o controle da inflação. Qual o juro nominal necessário para se conseguir num prazo razoável uma alta de preços de 4,5% ao ano ou algo mais civilizado? A resposta pode variar, porque depende de uma porção de fatores, como o grau de indexação, o regime cambial, os preços internacionais, a organização e a extensão do sistema de crédito e, naturalmente, a situação das contas públicas e até a memória inflacionária.
Alguns desses fatores foram citados pelo Comitê de Política Monetária (Copom) para justificar a redução de juros iniciada no fim de agosto. Vale a pena lembrar três pontos: 1) com o agravamento da crise internacional, os preços de vários produtos básicos tenderão a se estabilizar ou a diminuir; 2) a inflação brasileira perderia impulso a partir do fim do terceiro trimestre; e 3) o Executivo federal está comprometido com uma política orçamentária mais austera e já começou em 2011 e reforçar suas contas. Quanto ao primeiro item, ponto para o Banco Central – mas ninguém foi surpreendido pela piora da situação na Europa e nos Estados Unidos. Em relação ao segundo, os dados ainda não são bastante claros, especialmente porque a demanda interna continua sustentada pelo alto nível de emprego e pela expansão do crédito. Algum tempo será necessário para se confirmar o esfriamento da demanda, e não só da oferta industrial. Em relação ao terceiro item, a aposta ainda parece muito arriscada. Não houve de fato aperto fiscal e a tramitação da proposta orçamentária é cheia de perigos, a começar pelo apoio de notórios parlamentares à proposta de aumento salarial para o Judiciário.
Os líderes da Fiesp e de outras organizações privadas poderiam contribuir para a redução dos juros se criassem um bom debate sobre o orçamento. Isso poderia incluir a busca de eficiência no gasto federal, corte de subsídios e maior cautela para evitar a mistura de contas do Tesouro e do BNDES. Uma experiência semelhante, a da conta movimento, foi desastrosa. O presidente da Fiesp também poderia contribuir para a melhora das finanças públicas se propusesse a seu novo partido, o PMDB, uma campanha para limpar o governo do loteamento político. E ainda poderia dar um caráter bipartidário à iniciativa, pedindo apoio a um de seus aliados na luta contra os juros, o pedetista Paulo Pereira da Silva, líder da Força Sindical e defensor do ministro Carlos Lupi. Por que não tentar?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/11/2011
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