Os bilionários Bill Gates e Warren Buffett entraram numa campanha para que outros ricaços doassem no mínimo metade de suas fortunas a instituições de caridade. Pelo menos quarenta bilionários já aderiram à campanha. A atitude levanta algumas reflexões interessantes, e expõe também as diferenças culturais entre Estados Unidos e Brasil. O senso de caridade parece mais enraizado lá, sem dúvida. Mas, a despeito da maioria considerar tal ato louvável, faz-se necessário evitar algumas conclusões precipitadas.
São vários os motivadores que podem levar alguém a doar boa parte de seu patrimônio. O altruísmo pode sim ser um fator, quando o rico acredita que tem como ajudar mais ainda a sociedade por meio da filantropia. A vaidade exerce seu papel, pois a caridade não deixa de ser uma forma de se “imortalizar”. A preocupação com a educação dos filhos pode ter alguma influência, pois não deve ser fácil passar valores e princípios sólidos quando o jovem sabe ser herdeiro de bilhões. E, por fim, o fator tributário também tem sua parcela nas motivações, pois ninguém gosta de morrer e deixar boa parte da fortuna que construiu para os burocratas do governo, cuja ineficiência nos gastos é praticamente certa – para não falar dos enormes riscos de corrupção.
O grande problema que vejo em tais atos de generosidade é quando os próprios doadores justificam seus gestos com argumentos falaciosos. Infelizmente, é esse o caso de muitos deles. David Rockfeller, por exemplo, disse que os ricos têm uma responsabilidade com a sociedade, e devem retribuir aquilo que ela lhes deu. Há uma desinformação perigosa nessa argumentação. A sociedade não deu nada por caridade aos empreendedores ricos. Ao contrário, eles ficaram ricos justamente por atender a várias demandas da sociedade, dos consumidores. E fizeram isso gerando riqueza, empregos e bem-estar social. A fortuna dos ricos, quando obtida por mérito no livre mercado, já representa uma retribuição da própria sociedade. Ter carros melhores, computadores rápidos, navegadores de internet, remédios e uma infinidade de outros bens e serviços é o que permitiu que os ricos empresários ficassem ricos. Nada mais justo!
Ao falar da necessidade de “devolver” para a sociedade aquilo que ela os deu, esses filantropos ajudam a disseminar a mentalidade marxista de que o lucro não é legítimo, mas fruto de uma exploração. É uma espécie de sentimento de culpa da elite financeira por ser rica. Mas, se esta riqueza for resultado de esforço e mérito próprio, por meio de trocas voluntárias com os consumidores, então não há razão para tal sentimento de culpa. Muito pelo contrário: todo rico honesto deveria sentir orgulho de sua riqueza. Foi na fase de construção dela que ele mais beneficiou a sociedade.
Além disso, deve-se ter em mente o alerta que o economista francês Bastiat, do século XIX, fez, ao falar daquilo que se vê e daquilo que não se vê. A filantropia é celebrada pois o impacto dos gastos com caridade são visíveis de imediato. Mas não devemos ignorar o que não se vê no curto prazo. O que a poupança investida no setor produtivo pode oferecer para a sociedade é muito mais do que a caridade momentânea. Bastiat usa a comparação entre dois irmãos, Mondor e Aristo, para explicar melhor seu ponto. Após repartirem a herança do pai, cada um deles parte para um estilo de vida totalmente distinto. Um pratica a filantropia, e outro resolve poupar e investir o dinheiro.
Os felizes fornecedores dos luxos de Mondor, o filantropo, representam aquilo que se vê. Não é tão fácil de se perceber, do ponto de vista do interesse dos trabalhadores, o que se tornam os rendimentos de Aristo, o poupador. Mas todos esses rendimentos, até o último centavo, servem para dar emprego aos operários tanto quanto certamente os rendimentos de Mondor. Mas há uma diferença importante: “Os gastos loucos de Mondor estão condenados a diminuir sempre e a chegar a um fim necessário. A sábia despesa de Aristo vai engordando de ano para ano”. A poupança de Aristo pode ser canalizada para investimentos produtivos. Os gastos de Aristo, feitos em parte por terceiros à distância, representam aquilo que não se vê.
Ao final de dez anos, é provável que os gastos com filantropia de Mondor estejam se esgotando. Bastiat conclui: “Ao final dos mesmos dez anos, Aristo continua não somente a pôr o seu dinheiro em circulação, mas continua aumentando seus rendimentos de ano para ano. Ele contribui para fazer crescer o capital nacional, ou seja, o fundo que alimenta os salários. E, como a demanda de trabalho depende da extensão desse fundo, ele concorre para o aumento progressivo da remuneração da classe operária. Se ele vier a morrer, deixa os filhos preparados para substituí-lo nessa obra de progresso e de civilização. Do ponto de vista moral, a superioridade da poupança sobre o luxo é incontestável. É consolador poder-se pensar que o mesmo se dá do ponto de vista econômico, para quem quer que, não se fixando nos efeitos imediatos das coisas, saiba levar suas investigações até os seus últimos efeitos”.
O presidente Lula já chegou a afirmar que dar dinheiro aos pobres, mesmo que para a compra de cachaça, era melhor para a economia do que deixar o dinheiro com o rico, aplicado no banco. Segundo Lula, isso faria a roda da economia girar, estimulando o comércio e a criação de empregos. O presidente cometeu esta falácia apontada por Bastiat, ao enxergar os efeitos econômicos com uma visão míope. A caridade tem efeito imediato, mas está fadada a se esgotar. Quando é “caridade” estatal é pior ainda, pois o governo antes precisa tirar recursos dos outros, justamente recursos que poderiam ser investidos de forma mais produtiva. Muito melhor para a sociedade, especialmente para os mais pobres, seria deixar os ricos investirem suas poupanças. Desta forma o progresso pode acelerar, beneficiando a todos.
Em suma, cada um faz com seu patrimônio aquilo que lhe apraz, e já é um absurdo o estado taxar a herança, um direito legítimo não apenas do herdeiro, mas principalmente do proprietário da fortuna, que deve ser livre para dar o destino que quiser a ela. Se esta escolha for pela filantropia, então ótimo. Mas acredito que a escolha de investir ainda mais nos negócios, nas empresas, no empreendedorismo, merece mais aplausos. O resultado costuma ser bem melhor do que a filantropia.
Outro aspecto a ser considerado é a cultura do trabalho e do empreendedorismo na sociedade americana. Justamente para fomentar essa cultura, a legislação impõe um alto imposto sobre as heranças, (que chega a 50%) ao mesmo tempo em que dá incentivos fiscais para as doações filantrópicas. Assim, o ambiente legal desestimula a cultura patrimonialista, ao mesmo tempo em que estimula o envolvimento de pessoas bem sucedidas em causas sociais, reforçando a importancia da sociedade civil na solução de seus próprios desafios.
Rodrigo,
Concordo integralmente com o texto, mas gostaria de fazer algumas ressalvas.
Eu não vejo com bons olhos os recentes atos de caridade de Bill Gates e Warren Buffett. Acredito que por trás destes gestos existe a intenção de reduzir a população mundial. Perceba que os recursos foram direcionados à pesquisa e à produção de vacinas e OGMs; além de propagandas pró-aborto.
Bill Gates disse com suas próprias palavras – em uma palestra que pode ser vista no youtube – que reduzir a população mundial é essencial para a diminuição das emissões de C02 (estas, segundo ele, as principais causadoras de um tal “aquecimento global antropológico”), e que isto seria alcançado por meio de vacinas. Isto mesmo, vacinas!