A popularidade de Bolsonaro arde em uma fogueira perfeita: a combustão vem da combinação da consternação com a crise ambiental com o descontentamento gerado com medidas de contenção da Lava Jato na coalizão que o levou ao poder. Sua estratégia hipermobilizadora —de quanto mais quente melhor—“backfired”.
Mas e a popularidade importa? Muito menos do que em regime parlamentarista no qual o chefe do Executivo não tem mandato fixo. Mas sim, um presidente tóxico gera custos. Torna caro não só apoiar o presidente mas sobretudo defendê-lo. O impacto é avassalador sobre a opinião pública: quase 9 em cada 10 entrevistados pelo Ibope afirmam que proteger a Amazônia é essencial.
A crise engendra amplo arco de alianças tácitas e inéditas entre setores ambientalistas e o agronegócio, que é alimentada pelo acordo Mercosul-UE. A internacionalização do conflito amplia o leque de apoios, mas abre espaço para discurso nacionalista que tem eficácia política provada. Independente da base factual da guerra de narrativas, o saldo líquido é negativo para Bolsonaro.
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Mais relevante é a forte e crescente tensão gerada pela contenção dos órgãos de controle no seio de sua coalizão, sobretudo nos setores de centro. É aqui onde poderão localizar-se razões jurídicas para pedidos de afastamento do presidente.
O presidente enfrenta denúncias sobre as ligações de seu núcleo familiar com milícias. A conjunção desses fatores magnifica seus impactos e alimenta ataques (ex.: pedidos de CPIs e de impeachment), mesmo para um presidente fortalecido por reformas. É certo que Bolsonaro está parcialmente blindado quanto ao estado da economia, porque pode crivelmente atribuí-la aos governos anteriores, mas esta janela se fechará no médio prazo.
O apoio a um pedido de impeachment requer dos parlamentares cálculo dos custos de permanência do presidente versus benefícios de sua substituição. Nele entram a identidade do vice-presidente e a do presidente da Câmara, que controla sua admissibilidade. A estrutura de incentivos milita portanto fortemente contra.
Não é no curto prazo que devemos buscar as consequências da fogueira perfeita (mas observemos Moro). A dupla fratura nas coalizões de apoio —do agronegócio ao setores comprometidos com a Lava Jato— sobre o Bolsonarismo se manifestará em 2022. A fratura ainda não se consumou: o manejo da crise daqui para a frente e a sina do projeto de abuso de autoridade serão decisivos.
O que importa é a arquitetura da escolha em 2022: se polarizada entre forças intensamente rejeitadas pelo eleitorado, Bolsonaro, mesmo com a popularidade chamuscada, poderá renascer das cinzas.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 26/8/2019