O Papa Bento XVI recebeu recentemente 260 artistas do mundo inteiro na mágica capela Sistina, no Vaticano. O pianista brasileiro Alvaro Siviero esteve ao lado de personalidades como o compositor italiano Ennio Morricone, o arquiteto americano Daniel Libeskind, o cantor Andrea Bocelli, o diretor de cinema britânico Peter Greenaway, a pianista canadense Angela Hewitt, o arquiteto suíço Mario Botta, o escultor Igos Mitoraj, o cineasta russo Andrei Tarkovsky e a escritora italiana Susanna Tamaro.
Bento XVI, brilhante intelectual e um apaixonado pela música, defendeu o papel da arte como instrumento redentor. “É preciso construir um novo humanismo”, disse o Papa em discurso repleto de citações de personalidades como Dostoievski, Michelangelo e Herman Hesse. “Graças ao seu talento, vocês têm a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e coletiva, de suscitar sonhos e esperanças”, sublinhou o Pontífice.
Dostoievski coloca nos lábios de Dimitri Karamazov uma certeira definição do drama humano tal como Bento XVI o vê: “A beleza é uma coisa terrível e espantosa. É o duelo do diabo e de Deus, sendo o coração humano o campo de batalha.” O Papa também acredita que o mundo será salvo pela beleza.
Iniciativas, inúmeras, quase anônimas e cimentadas na força da solidariedade, comprovam o papel redentor da arte. Basta pensar, por exemplo, no magnífico trabalho de resgate social desenvolvido pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Favelas, frequentemente, ocupam a crônica policial. A música, no entanto, transportou Heliópolis para as páginas de cultura. O consagrado maestro da Orquestra Filarmônica de Israel, Zubin Mehta, vislumbrou em Heliópolis, uma imensa favela cravada no coração de São Paulo, um canteiro de talentos. Jovens, abandonados pelos governos e teoricamente predestinados para uma vida de crime, drogas, prostituição, miséria e dor, encontraram na música o passaporte para o resgate da dignidade e da esperança.
A beleza é revolucionária e transfomadora. Por isso Bento XVI enfatizou que “uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem uma espécie de “choque” que o faz sair de si mesmo, o arranca da resignação, da acomodação do cotidiano, e o faz até mesmo sofrer, como um dardo que o fere, mas precisamente por isso o “desperta”, abrindo-lhe novamente os olhos do coração e da mente, dando-lhe asas, impulsionando-o em direção ao alto”.
Jornais, frequentemente dominados pelo noticiário enfadonho do país oficial e pautados pela síndrome do negativismo, não têm “olhos de ver”. Iniciativas que mereceriam manchetes sucumbem à força do declaratório. Reportagens brilhantes, iluminadoras de iniciativas que constroem o país real, morrem na burocracia de um jornalismo que se distancia da vida e, consequentemente, dos seus leitores. Estou convencido de que boa parte da crise da imprensa pode ser explicada pelo seu desligamento da realidade, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir o mundo real. O encontro do Papa com os artistas, evento de grande importância, embora pouco divulgado pela mídia brasileira, suscita reflexões a respeito do nosso ofício. A arte, a beleza, a grandeza humana mereceriam maior destaque. A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa, é uma surpresa, quase um fato inusitado. Por mais que a sociedade tenha mudado, tenho a certeza de que o pretenso realismo que se alardeia para sustentar o excesso de violência e mau gosto que, diariamente, desaba sobre leitores e telespectadores não retrata a realidade vivida pela maioria esmagadora da população.
“Vocês são guardiães da beleza”, disse Bento XVI aos artistas. Nós, jornalistas, somos ou deveríamos ser, “guardiães da verdade”, pintores da vida. Uma vida que é feita de luzes e sombras. A denúncia do mal é um dever ético. Mas a beleza e a grandeza humana bem valem uma manchete.
Fonte: Folha de S. Paulo , 30/11
No Comment! Be the first one.