Os resultados do terceiro Censo do Capital Estrangeiro no Brasil, feito para o ano base 2005, foram divulgados recentemente. Os dados, cotejados com os resultados para os anos-base 1995 e 2000, fornecem um impressionante painel dos impactos das empresas estrangeiras sobre a economia brasileira nos primeiros 10 anos que se seguem ao Plano Real. O Brasil surpreendentemente cosmopolita e internacionalizado que emerge desses censos há de requerer políticas públicas adaptadas para essa realidade singular e estranha ao mito de um país fechado e isolado do fenômeno da globalização.
O Censo é um questionário destinado a todas as empresas que, na data de referência, possuíssem um mínimo de 10% de participação acionária de não residentes no capital votante, ou de 20% sobre o capital total. De acordo com esse conceito, que diz respeito ao que poderíamos designar como EPEs, “empresas com participação estrangeira”, o censo de 1995 teve 6.322 respondentes. Elas foram 11.404 em 2000 e 17.605 em 2005: são três novas EPEs a cada dia ao longo desta década! As empresas com controle estrangeiro, e que designamos como ECEs, foram 4.902 em 1995 e 9.673 empresas em 2005, respectivamente 77% e 55% do total.
Dessas empresas se solicitou pouco mais que suas demonstrações financeiras e o princípio foi simples: o Banco Central apenas conhece uma pequena parte do passivo não exigível dessas empresas, o capital de titularidade de não residentes, sujeito a registro no BC e oriundo de movimentação cambial ou reinvestimento. Todo o resto do balanço era desconhecido e, durante todos esses anos quando o BC enxergava a si mesmo como “autoridade cambial”, mais até que como “autoridade monetária” (ao menos a julgar pelo número de funcionários dedicados ao controle cambial), jamais perguntou às EPEs nada além de sua movimentação cambial, como se a isso elas se resumissem. Na verdade, é o que está na cabeça de muita gente, que apenas enxerga EPEs como “passivo externo”.
Pois bem, o que nos dizem os censos?
Para o ano de 1995, por exemplo, pode-se dizer que cada R$ 1,00 aportado por não residentes nessas empresas gerava R$ 5,50 em vendas e R$ 6,70 em ativos. Esses números foram mais modestos nos anos de 2000 e 2005 talvez em vista o espantoso crescimento do capital integralizado por não residentes especialmente no período entre 1995 a 2000.
É preciso entender melhor, mas os números do censo do capital externo explicam a evolução da economia
Para 2005 o capital estrangeiro acumulado é de R$ 381 bilhões, representando cerca de 87% do patrimônio total dessas empresas, cujos ativos totais se elevam a R$ 1,529 trilhão, e cujo faturamento atingiu R$ 1,294 trilhão. Durante a década coberta pelos censos os ativos cresceram cerca de 12% anuais em média, e o faturamento incríveis 19%. No tocante ao comércio exterior vale registrar que esse conjunto de empresas era responsável por 55% das exportações totais do país em 2005, proporção que vinha se elevando desde 1995, quando era de 47%. O mesmo se pode dizer dos percentuais dessas exportações que eram “intra-firma” (comércio entre partes relacionadas): em 2005, 61% das exportações das EPES eram “intra-firma”, o que equivale a dizer que algo como 1/3 das exportações brasileiras totais em 2005 eram “intra-firma”. Em 1995 esse percentual era pouco inferior a 20%. Não há indicador mais poderoso para a inserção do país na economia globalizada que a extensão desses vínculos que definem o que se conhece como “produção internacional” ou “off shoring”.
Resta observar que as EPEs empregavam 1,3 milhão de pessoas em 1995 e cercae 2 milhões em 2005, representando parcelas do total da população ocupada que evoluíram de cerca de 2% para 2,3%, números surpreendentemente pequenos.É possível estimar que para 2005 as EPEs produziam pouco mais de um terço do PIB brasileiro ao passo que as ECEs cerca de um quarto. Quando se tem emconta que EPEs e ECEs empregam menosde 3% da população ocupada, é possível construir indicadores de valor adicionado por trabalhador ocupado que ressaltam dramaticamente essas diferenças de produtividade: para 2005 enquanto um trabalhador em uma EPE gerava em média R$ 351 mil de valor adicionado, para o restante do país o número foi de R$ 23 mil.
Os valores para exportações por trabalhador ocupado talvez sejam os mais impressionantes. Enquanto um trabalhador ocupado em EPEs produzia cerca de US$ 31 mil em exportações, outro produzia US$ 1,3 mil em exportações em média, em outras empresas brasileiras . As exportações representavam cerca de 6% do PIB em 1995 e subiram a 13,4% em 2005 quando o PIB a preços constantes ficou praticamente estagnado; boa parte desse avanço teve a ver com as EPEs e offshoring: em 2005, as EPEs sozinhas eram responsáveis por exportações correspondentes a 7,4% do PIB brasileiro (5,7% para ECEs). Com efeito, as EPEs tinham propensão a exportar de 15,7% ao passo que o valor nas outras empresas brasileiras sem participação estrangeira era de 3,9%. Para 2005 o contraste ainda continua: EPEs com 21,5% e empresas brasileiras com 9,2%.
Os contrastes entre as EPEs e ECEs e o restante do país são óbvios e fáceis de se exagerar pois, como observado, seria preciso “controlar” outros fatores que podem explicar alta produtividade e propensão ao comércio, como tamanho, concentração, formalização do trabalho, entre outros. Mas mesmo com esse benefício concedido à dúvida é difícil evitar que esses contrastes nos levem a afirmar que as EPEs têm sido a locomotiva de expansão do comércio exterior do país na primeira década depois do Plano Real, quando o crescimento do país não foi nada brilhante.
Apesar de ter havido pouca ajuda do comércio exterior, os números sugerem que foi a globalização o que fez andar a nossa economia nesses anos, e de formas que ainda precisamos entender melhor.
Gustavo H. B. Franco é professor da PUC-Rio, sócio fundador da Rio Bravo
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