A presidente Dilma Rousseff levou à Casa Branca sua cruzada contra a política monetária dos bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, como se o presidente Barack Obama pudesse mandar o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, parar de emitir dólares. Não pode, mas, se tivesse autoridade para mandar, provavelmente daria mais atenção a seu compatriota Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia. Krugman defende uma política monetária frouxa até a recuperação econômica se firmar. É preciso continuar emitindo, segundo ele, mesmo com o risco de uma inflação de 3% ou 4% (a taxa está em torno de 2%). Ele expôs essa opinião num artigo publicado na sexta-feira, três dias antes da peroração da presidente brasileira em Washington. Ela havia apresentado a mesma reclamação à chanceler Angela Merkel, como se a chefe do governo alemão tivesse autoridade para comandar o Banco Central Europeu. Merkel poderia batalhar, se quisesse, por um aumento do gasto público em seu país, mas teria de conseguir apoio num Parlamento avesso à expansão fiscal.
Obama enfrenta problema semelhante num Congresso dominado pela oposição e, além disso, o orçamento americano já embute um déficit previsto de US$ 1,3 trilhão, pouco mais de 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar de tudo, a mensagem levada à Alemanha poderia ter algum sentido prático. No caso da visita aos Estados Unidos, a história é diferente e a cobrança foi um ato retórico e um tanto despropositado.
O discurso da presidente mereceria mais atenção se ela cuidasse um pouco mais de seu quintal, tratando mais seriamente do volume e da qualidade do gasto público. Também isso afeta a competitividade.
O ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, acompanhou o tom da presidente. É preciso, segundo ele, examinar a questão do déficit brasileiro no comércio com os Estados Unidos. A secretária de Estado Hillary Clinton poderia ter respondido com uma pergunta: por que o governo americano deveria discutir esse problema? Afinal, ninguém se mostrou preocupado com o saldo comercial entre 2000 e 2008, quando o Brasil foi superavitário.
O ministro Patriota mencionou também a mudança na composição das exportações brasileiras. Tem aumentado a importância das commodities no valor das vendas ao mercado americano e, segundo ele, é preciso “analisar muito seriamente” esse dado. De fato, a composição mudou, mas os manufaturados ainda representaram, no ano passado, 45,3% do valor das exportações para os Estados Unidos. Haviam correspondido a 51,6% em 2010, 59,8% em 2009 e 58,7% em 2008. Juntando-se os semimanufaturados, obtém-se o total das exportações industriais – 65,6% do valor global em 2011.
O Brasil tem tido problemas comerciais importantes com os Estados Unidos, mas ninguém pode acusar o governo americano de haver criado obstáculos à expansão do comércio bilateral nem de haver imposto, nos últimos anos, barreiras importantes aos manufaturados brasileiros. A indústria brasileira simplesmente perdeu oportunidades nos Estados Unidos – assim como em outros mercados desenvolvidos – porque Brasília deu prioridade a entendimentos comerciais com os parceiros emergentes e em desenvolvimento.
O governo disfarçou os custos dessa escolha usando a retórica da diversificação. Pura embromação, porque o Brasil é há muito tempo descrito como um “global player”. A multiplicação dos parceiros ocorreria mesmo sem o palavrório ideológico. Além disso, o governo brasileiro, ao negligenciar Estados Unidos e Europa, desprezou mercados importantes para a indústria nacional. O novo parceiro número um do Brasil, a China, consome vorazmente matérias-primas e compra quase nada de manufaturados.
Como complemento, a política industrial tem sido formada por muito discurso, muita fumaça e pouquíssima substância. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) avança muito devagar e seus números são inflados com os financiamentos habitacionais. As obras de infraestrutura estão estagnadas. Mas o ministro da Fazenda insiste – e ontem voltou a esse tema – em apontar o “subsídio cambial” dos países concorrentes como o grande problema do Brasil. Nem ele parece acreditar nisso, porque continua criando uma porção de medidas – quase todas pontuais – na tentativa de animar a indústria e aumentar um pouco seu poder de competição.
O ministro de Relações Exteriores está certo quanto a um ponto: é preciso, sim, examinar os números recentes do comércio com os Estados Unidos. Mas é inútil procurar lá fora as causas dos problemas. Os obstáculos mais importantes são produzidos no País. Nesse campo, a autossuficiência brasileira é incontestável.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/04/2012
E como se não bastasse, ainda nos causa constrangimentos!