Até agora, a pior consequência da tragédia financeira grega são as análises equivocadas e enviesadas da crise. No Brasil, avaliações rasteiras e pedestres tendem, mais uma vez, a creditar a crise à falta de regulação.
Com Estado forte, nada disso teria acontecido. Em outra direção, J.R. Guzzo, em artigo na revista Exame, diz que os Estados foram incapazes de fiscalizar os mercados e a si mesmos.
Conclui dizendo que o Estado manteve intacta a capacidade de provocar seus próprios desastres.
Em certa medida, a discussão é contaminada, evidentemente, por interesses ideológicos daqueles que querem mais ou menos Estado. Em especial, na economia.
Em consequência, temos um debate cuja esgrima de argumentos ocorre em meio a mistificações, cortinas de fumaça, intenções veladas e agendas ocultas.
O primeiro efeito colateral do embate de posições engajadas é o comprometimento com a busca da verdade. Saber o que aconteceu e quais lições devemos tirar é muito melhor do que fazer avaliações superficiais.
O segundo efeito é o uso político do episódio grego a favor de teses ideológicas e eleitorais. Por exemplo, coloca-se como vilã a falta de regulação, sugerindo que o Brasil deve ter regras mais rigorosas.
Outros apontam a irresponsabilidade fiscal das autoridades gregas, sugerindo que o Brasil deve cortar custos e reduzir o endividamento para manter e fortalecer a credibilidade.
Há, ainda, quem diga que as regras da União Europeia não consideram as diferenças e peculiaridades de cada nação. De passagem, o Mercosul leva uma chicotada por estar engessando o Brasil diante das imensas oportunidades que se oferecem em todo o mundo.
Diante do turbilhão de opiniões, o que fazer neste momento? Tentar, de forma inglória, restabelecer um pouco de racionalidade. Primeiro, diante da crise em si. Segundo, em relação aos reflexos dela no Brasil.
Em nosso país, o debate sobre ter “mais ou menos Estado”, nas atuais circunstâncias, é irrelevante. Não só pelo “protagonismo” do Estado no Brasil, mas pelo fato de que – por muito tempo – o Estado será o principal protagonista de todos os eventos econômicos do planeta.
As principais economias, com poucas exceções, têm no Estado a força central da economia. Seja de forma crônica, como na Rússia, na China, no Brasil e na França, seja de forma aguda e setorial, como nos EUA e na Inglaterra em relação a setores específicos.
No Brasil, temos metade do sistema financeiro estatizado, empresas estatais imensas e com poder regulador sobre seus setores, além da presença onipresente dos fundos de pensão de estatais em centenas de empreendimentos.
Falar de mais ou menos Estado no Brasil é inútil. O que se deve falar – e se fala pouco – é de como podemos ter um Estado melhor, mais transparente, menos burocrático, menos injusto e, sobretudo, mais democrático. Lamentavelmente, esses aspectos estão sendo tratados perifericamente.
A questão central hoje é como ter o melhor Estado possível: transparente, eficiente, justo e democrático. Livre do corporativismo e da burocracia.
Não é um caminho fácil.Para trilhá-lo, devemos adequar as nossas expectativas e necessidades ao mundo real. A segundo iniciativa é denunciar o autoengano.
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