No curto ensaio Capitalismo após a crise, o professor Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, discute a importância de uma opinião pública favorável para o bom funcionamento e a legitimidade do capitalismo democrático. A compreensão de que as economias de mercado são extensas redes de cooperação social com base na divisão de trabalho sempre foi maior nos Estados Unidos que nos demais países, e isso tem consequências mais relevantes do que se imagina.
A percepção de que o trabalho duro leva ao sucesso aparece nas pesquisas de opinião: menos de 40% dos americanos acreditam que a sorte importa mais do que o esforço, ante 75% dos brasileiros.
Um episódio cataclísmico como a atual crise financeira, porém, abala a confiança no sistema até mesmo entre os americanos. Os excessos financeiros e creditícios construíram a crise. Depois, quando a salvação de bancos consome recursos públicos, o funcionamento e a legitimidade dessa engrenagem são questionados. O apoio tradicional da opinião pública americana ao capitalismo tem sua razão de ser: além da prosperidade em grande escala, observa Zingales, “os bilionários americanos, como Bill Gates, Michael Dell, Warren Buffett e outros, fizeram suas fortunas em mercados livres, sem nenhuma ajuda do governo”. Mas, adverte, “o mesmo não ocorre em outros países, onde os mais ricos frequentemente acumularam fortuna em negócios regulamentados, altamente dependentes de concessões, crédito subsidiado, encomendas e ajuda do governo. Os oligarcas na Rússia, Silvio Berlusconi na Itália, Carlos Slim no México e os novos bilionários chineses tiveram sucesso em setores dependentes de favores governamentais, em que as boas conexões políticas eram mais importantes que a iniciativa e o empreendedorismo”.
De fato, em outra pesquisa de opinião entre executivos italianos, “boas conexões com pessoas influentes” aparece em primeiro lugar numa lista dos fatores mais importantes para o sucesso nos negócios, enquanto experiência e competência ficaram em quinto lugar. Registra Zingales: “O capitalismo americano tomou forma quando o envolvimento do governo na economia ainda era pequeno. Na virada do século XIX para o século XX, os gastos públicos situavam-se por volta de 6% do PIB. A forma de ganhar a vida era abrir um negócio e correr riscos. Enquanto isso (…), na reconstrução europeia do pós-guerra, os gastos públicos passavam dos 30% do PIB. E, quanto maior a importância das ligações políticas para os negócios e a acumulação de riqueza, maior a percepção de que o sistema é injusto”.
Os incentivos desempenham, portanto, um papel decisivo. Se as regras do jogo favorecem as conexões políticas em vez da eficiência econômica, há uma distância crescente entre o indesejável lobby dos “grandes negócios” e a legítima defesa da livre-iniciativa e da economia de mercado. Aqui começa o declínio do capitalismo americano. “A crescente concentração e musculatura política do setor financeiro mascarou a diferença entre mercados livres e grandes negócios. Os interesses dos financistas foram acomodados pelas autoridades. E, na percepção do público, de modo ilegítimo”, assinala Zingales.
Ele prossegue: “As reformas que poderiam reforçar genuinamente a economia de mercado não são as mesmas que ora atendem aos interesses das grandes instituições financeiras. As dimensões éticas do capitalismo sempre foram a livre-iniciativa, a meritocracia, a associação entre trabalho e recompensa e um senso de responsabilidade que atribui aos mesmos que colhem os lucros o peso das perdas. A noção de que há bancos ‘grandes demais para ir à falência’ reforça as mesmas práticas que causaram a crise. É o caminho do capitalismo de Estado”. Os mercados frequentemente erram, mas sempre punem. É curioso que a impunidade atual desacredite os mercados, e não os governos, que primeiro estimularam a farra financeira e em seguida garantiram essa mesma impunidade.
(Época – 27/09/2009)
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