O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acena com novas medidas para conter a valorização do real, enquanto dólares continuam jorrando e levando na enxurrada o poder de competição da indústria nacional. Na segunda-feira, a cotação da moeda americana chegou a R$ 1,543, o nível mais baixo desde o começo de 1999, quando o governo foi forçado a mudar a política de câmbio. Ontem, no meio da tarde, a cotação havia caído para R$ 1,535. Horas antes, o Banco Central (BC) havia divulgado o balanço de pagamentos do primeiro semestre. O déficit de US$ 25,45 bilhões nas transações correntes havia sido coberto com enorme folga pelo superávit de US$ 67,03 bilhões na conta financeira e de capital. A maior parte desse valor correspondeu a investimento direto: US$ 42,7 bilhões em termos líquidos, 15,7% acima do valor de um ano antes.
O Brasil tem recebido muito dinheiro para todas as finalidades. Parte corresponde a endividamento adicional, porque muitas empresas têm procurado no exterior financiamento mais barato que o disponível no País. As aplicações em carteira diminuíram, passando de US$ 22,79 bilhões, no primeiro semestre do ano passado, para US$ 14 bilhões, entre janeiro e junho deste ano, provavelmente por causa das barreiras impostas pelo governo. Mas o volume continuou apreciável. Em contrapartida, houve aumento de US$ 5,79 bilhões no investimento direto.
Ninguém sabe se toda aplicação listada nessa rubrica foi destinada, de fato, ao setor empresarial. Há meses, o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, levantou a suspeita: dinheiro especulativo poderia estar sendo simplesmente maquiado por causa da barreira tributária. Não há confirmação dessa hipótese, segundo o BC. Mas quem controla o uso efetivo desses dólares?
O Brasil foi, no ano passado, o 5.º principal destino do investimento direto estrangeiro, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), divulgado ontem. Nos quatro primeiros postos ficaram Estados Unidos, China, Hong Kong e Bélgica. Em 2009 o Brasil havia sido o 15º. Em 2011 deve ficar novamente numa posição destacada.
O ingresso de capitais no Brasil é explicável em boa parte pelo tamanho da sua economia, pelas perspectivas de crescimento e pela resistência à crise internacional. Mas os juros, entre os mais altos do mundo, e as possibilidades de ganhos especulativos em curto prazo são sem dúvida importantes fatores de atração. Sejam quais forem as motivações, o efeito sobre o câmbio é a valorização do real. A esses fatores tem-se acrescentado a insegurança internacional em relação ao dólar, agravada pelo risco de calote da dívida americana. Não há perspectiva, por enquanto, de uma reversão de tendência. Mudanças, no entanto, podem ocorrer de forma inesperada, e o BC tem alertado para esse risco os tomadores de empréstimos em moeda estrangeira.
Antes de uma reversão, a maior parte dos produtores brasileiros tem de enfrentar outras ameaças. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, o déficit comercial do setor de transformação deve aumentar de US$ 33,5 bilhões em 2010 para US$ 51,1 bilhões neste ano. Em 2007, quando a valorização cambial começou a tomar impulso, a indústria de transformação ainda fechou o ano com um superávit de US$ 19,5 bilhões.
Por causa do câmbio e de várias outras desvantagens – até mais importantes no longo prazo -, a indústria nacional é impedida de aproveitar mais amplamente as oportunidades criadas pelo dinamismo do mercado interno. O emprego vai bem, as famílias estão otimistas e pretendem comprar mais nos próximos meses, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. O Índice de Confiança do Consumidor atingiu em julho o recorde de 124,4 pontos. A alta mensal, 5,4%, foi a maior desde janeiro de 2006. A intenção de compra de bens duráveis é menor que a de novembro, o pico da série, mas continua elevada. A notícia pode ser boa para a indústria nacional, mas é ainda melhor para a estrangeira, convidada especial para a festa do consumo.
Não há nada errado no aumento de importações, quando a economia cresce. Mas muita coisa vai mal quando a indústria do país perde espaço por causa de um desajuste cambial excessivo e de problemas de competitividade há muito conhecidos e nunca resolvidos. Boa parte desses problemas está ligada à ineficiência e à incontinência do gasto público e a duas de suas contrapartidas – tributação excessiva e de baixa qualidade e juros muito elevados. Se a demanda interna, ainda aquecida e reforçada pelo gasto público, resultar em mais inflação, o problema dos juros será agravado. O do câmbio, também.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/07/2011
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