Na coluna de domingo chamei de “jabuticaba” a proposta do deputado petista Henrique Fontana de um duplo voto proporcional, o de lista fechada e o de lista aberta, e critiquei também o fato de seu relatório admitir o financiamento privado das campanhas políticas, tanto de empresas quanto de pessoas físicas, quando a base da proposta de mudança é o elogio ao financiamento público.
Continuo com minhas dúvidas, considerando o duplo voto proporcional uma confusão inexplicável, mas acolho as explicações do relator da Comissão Especial da Reforma Política na Câmara dos Deputados. Ele defende o duplo voto proporcional porque “o sistema inova ao proporcionar a valorização do seu voto sob uma perspectiva programática e partidária, sem retirar sua prerrogativa de votar nos candidatos de sua preferência”.
Ele esclarece que sua proposta exclui a possibilidade de financiamento privado diretamente a partidos e candidatos, permitindo apenas doações para o Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais que será gerido pela Justiça Eleitoral com base no financiamento público das campanhas.
“A transformação das campanhas em engrenagens caras e sofisticadas empobrece o debate político e praticamente fecha o caminho da representação para setores sociais com menos acesso a recursos financeiros”, comenta o deputado.
Mais do que isso, ele lembra que com o financiamento público teremos um teto de gastos para cada nível de eleição, “o que torna a disputa mais equânime, barata e mais fácil de ser fiscalizada”.
O deputado considera o financiamento público “uma das armas mais potentes para combater a corrupção”.
Fontana defende ainda o voto em lista fechada, alegando que a ordem nas listas partidárias, “ao contrario de ser decidia pelos dirigentes, será feita através de votação secreta dos filiados ou convencionais”.
Para ele, essa proposta “valoriza a representação proporcional e estimula o fortalecimento da vida partidária”.
O deputado Alfredo Sirkis, do PV, considera que os três mecanismos alternativos de seleção prévia nos partidos “atenuam bastante, embora não eliminem, o campo de manipulação dos direções partidárias”.
São eles: as eleições primárias dos filiados; a convenção onde cada convencional deve votar em 4 nomes; e as disputas de lista, que levam ao preenchimento da lista final de forma proporcional aos votos alcançados.
O relator Henrique Fontana ressalta que a mudança constitucional que acaba com as coligações cria as “federações partidárias”, que devem ter funcionamento por um período mínimo de três anos, “evitando, dessa forma, coligações com caráter meramente eleitorais”.
A federação atuará como se fosse uma única agremiação partidária, inclusive no registro de candidatos e no funcionamento parlamentar, com a garantia da preservação da identidade e da autonomia dos partidos que a integrarem.
O deputado Alfredo Sirkis destaca que como a tônica do relatório é o financiamento público e o fortalecimento dos partidos, Fontana pode favorecer indiretamente “o partido mais organizado de sigla mais popular”, mas alega que “se formos por esse caminho não há como mudar o que quer que seja e a jabuticaba atual é o pior sistema de todos”.
Mesmo apoiando o relatório, Sirkis considera que “é inviável o financiamento público no componente proporcional de lista aberta”, sendo esse o ponto fraco da sua proposta.
Sua proposta é um sistema misto “que mantém uma forte proporcionalidade, mas funciona como um voto distrital misto plurinominal: metade dos candidatos seria eleita pela lista, e metade por grandes distritos numa eleição majoritária”.
No seu exemplo, no Rio teríamos a eleição de 23 deputados federais e 35 estaduais “por grandes distritos, cada um elegendo de 3 ou 4 federais e um número um pouco maior correlato de estaduais”.
Os eleitos em cada grande distrito seriam os mais votados. Sua votação seria somada a obtida para a lista para calcular o quociente partidário e o número restante de cadeiras no componente lista fechada pelo qual se elege a outra metade dos deputados.
Sirkis diz que a vantagem desse sistema seria introduzir “um componente de regionalização, fortalecendo os partidos sem prescindir da possibilidade do eleitor manifestar sua preferência para políticos individuais e essa preferência aos mais votados influencia também no número de eleitos pela lista fechada”.
O financiamento público exclusivo se tornaria viável para esse componente de voto personalizado, pois seriam poucos os candidatos nos distritos, o que “fortalece moderadamente os partidos e consagra quem tem voto de fato”.
Perderiam, no raciocínio de Sirkis, “os políticos eleitos na rabeira e que acabam formando o chamado baixo clero”.
Por outro lado, avalia Sirkis, esse sistema elimina a influência do poder econômico, e, ao manter os três tipos de prévia partidária previstos pelo Fontana para formar as listas e escolher os candidatos para os grandes distritos, democratiza minimamente os partidos.
Sirkis acha que o problema maior para a adoção de um sistema distrital misto uninominal, como na Alemanha, não é, como ponderei domingo, a questão de proporcionalidade, “embora de fato seja difícil fazer no Brasil o que os franceses chamam de le découpage para chegar nos distritos”.
A grande questão, na opinião de Sirkis, é ter que numa mesma campanha trabalhar simultaneamente com dois formatos de distrito pelo fato de termos eleições para deputado federal e estadual.
“No Rio teríamos que ter, se o voto fosse misto, 23 distritos para federal e 35 para estadual. Se fosse o distrital puro, 46 e 70. Isso criaria uma confusão tremenda na cabeça do eleitor e caos nas campanhas”.
Já o sistema de grandes distritos permitiria a eleição, por hipótese, de 3 federais e 5 estaduais, num mesmo distrito, sem problemas.
Fonte: O Globo, 30/08/2011
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