Semana de trabalho no Rio: chuva, bloqueios de algumas vias. Comecei na GloboNews com uma reportagem sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo, na Rocinha. Trabalho agora fazendo perguntas sobre um crime mais complexo e de repercussão internacional: Marielle Franco. Ele deve envolver, pelo menos é o prometido, o que há de melhor na investigação nacional.
Porém, é um momento também de avaliar como esse desafio está sendo vencido. Em outras palavras, avaliar as nossas chances.
Mas os ventos de Brasília bateram pesado esta semana. Tudo indica que não só Lula não cumprirá a sentença do TRF de Porto Alegre como a tendência mais forte no STF é de acabar com a prisão em segunda instância.
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O sistema de corrupção no Brasil tem sido apresentado como um mecanismo: envolve políticos que fraudam licitações, empresas que superfaturam, e devolve uma parte aos partidos políticos.
A decisão que o Supremo vai tomar pode agregar um novo elemento ao mecanismo. É possível desviar dinheiro público, por exemplo, e seguir em liberdade com a esperança mais do que justificada da prescrição da pena. Isso mantém de pé um edifício moralmente arruinado, mas difícil de ser batido.
Uma outra engrenagem do mecanismo foi acionada com a reforma política, em que os partidos garantem sua continuidade, através de farto dinheiro público. É um muro contra as mudanças.
Li que a impossibilidade de prender após segunda instância existe apenas no Brasil. É uma jabuticaba, revestida de um discurso de proteção da liberdade do indivíduo.
O mecanismo, cujas rodas deslizam sobre a imensa jabuticaba, tornou-se um aparato de poder singular que sobrevive apesar das evidências de que a sociedade o rejeita.
Com o muro construído em torno de mudanças é impossível que saia alguma coisa do Congresso, pois grande parte dele depende de longos recursos judiciais para seguir em liberdade.
Aparentemente, a roda rodou. Mas ainda há algumas instituições funcionando, e o poder que a sociedade pode exercer por meio da transparência.
Do ponto de vista de um mecanismo que se desloca solidariamente, o sistema segue o mesmo. No entanto, a sociedade não é a mesma depois da Lava-Jato: cresceu a consciência de que a lei deve valer para todos.
Ainda preciso de um pouco de tempo para refletir sobre as consequências do que me parece um novo momento. Uma delas é uma possível radicalização, com frutos para os extremos.
Isso prenuncia eleições tensas, soluções simples. O Brasil teve 60 mil assassinatos em um ano. É um tema que deveria nos unir ou, pelo menos, nos aproximar. Infelizmente, não temos sabido achar um caminho de acordo sobre como reduzir essas mortes ou mesmo como puni-las adequadamente.
Tudo isso pensado numa semana chuvosa, trabalhando num caso tão triste para um programa seminal, talvez tenha dado a impressão de tristeza. Mas ficar apenas triste é render-se ao imenso mecanismo que, na minha opinião, atrasa o Brasil.
Sobreviver para combater a engrenagem é uma forma de viver, embora não a única. O abismo que separa o sistema da sociedade, e de algumas instituições que a respeitam, será rompido um dia, mesmo que não se saiba precisamente como nem quando vai se romper.
É uma necessidade histórica que acaba abrindo seu caminho. De qualquer forma, os anos difíceis que pareciam longos parecem ganhar agora um novo fôlego.
Fonte: “O Globo”, 24/03/2018