Por Luciana Yeung e Luciano Timm
Ainda que se debruçando sobre o mesmo fenômeno – a organização da vida social – o Direito e a Economia têm prismas diferentes, mas não excludentes. É hora de “celebrar a convergência” entre eles.
Juristas têm como objeto de estudo os princípios e as regras jurídicas. Suas construções costumam valer-se de uma lógica abstrata do sistema. Não se questiona a racionalidade política, econômica ou social de tal análise, que é metajurídica (ao menos na tradição kelseniana). Nem há estudos empíricos para constatar as proposições teóricas feitas.
Ademais, advogados e juízes constroem sua prática sobre a retórica judicial, a partir da discussão de casos. Essa praxis tende a analisar apenas os detalhes do caso, como se olhasse uma árvore em todas as minúcias, até seus ramos e folhas. Não há preocupação com as consequências da decisão aí tomada.
A ciência econômica tem enfoque no comportamento humano. O economista é treinado a analisar as consequências das opções de políticas, e não a dedução das normas em jogo. O olhar, pois, é voltado para a “floresta”, para as interações entre os agentes. Ainda, ao contrário da praxis jurídica, que é instantânea, o economista precisa entender o impacto comportamental no sistema, e sabe que os efeitos políticos, sociais e econômicos podem demorar para ocorrer: são como ondas em um lago perturbado, propagam-se por muito tempo até a cessão do efeito. Finalmente, ele leva em conta as chamadas “externalidades” – efeitos positivos ou negativos gerados para a sociedade, mas ignorados por aquele que os produz: uma decisão judicial não impacta somente as partes que trazem o litígio, elas são sinalizações para outros indivíduos, que por sua vez, tomarão decisões que impactarão outras pessoas. A insistência em ignorar as externalidades de suas decisões faz com que a dogmática jurídica gere o que chamamos de “efeito bumerangue”.
O efeito bumerangue acontece, por exemplo, quando um juiz profere uma decisão (normalmente com boas intenções) para proteger uma pessoa, mas pela ignorância dos efeitos, a decisão acaba “voltando” e gerando resultados que prejudicam a própria pessoa que se quis inicialmente proteger. Tal qual o bumerangue, que após lançado, volta e pode cortar a cabeça do lançador incauto.
O Direito e a Justiça Trabalhista estão cheios de exemplos de efeitos bumerangues. Em 2015, após a promulgação da PEC das Domésticas, o IBGE divulgou dados constatando redução na contratação dessas trabalhadoras. Esqueceram de que no Brasil há um grande mercado de diaristas, e que estas são substitutas quase perfeitas das domésticas formais: se a contratação de uma ficar mais exigente, a demanda correrá para a outra.
Outro efeito bumerangue aconteceu em 2012. O TST emitiu a Súmula 244, que concedeu estabilidade às temporárias em caso de gravidez, no intuito de protegê-las. O efeito bumerangue foi implacável: pouco depois, sindicatos patronais e de trabalhadores evidenciaram redução na contratação de mulheres para as vendas de Natal.
A visão dogmática da Justiça do Trabalho gera outros efeitos perniciosos. O CNJ indica que, em 2015, dos 10 assuntos mais recorrentes no Judiciário, quase 6 milhões de ações – do total de 23 milhões – foram de temas trabalhistas. Também vale lembrar que as estimativas da informalidade do trabalho vão de 40% a 50%. Não é preciso fazer esforço para entender que quanto mais protetora for a Justiça do Trabalho, mais fuga haverá para a informalidade – o caso da PEC das Domésticas é exemplo disso.
Pior, em épocas de economia fraca, o resultado imediato de uma Justiça superprotetora é a redução do emprego e mesmo de atividades empresariais. O ministro do STF, Luís Barroso, traz um dado importante: nosso país abriga 2% da população mundial, mas gera mais ações trabalhistas do que os demais 98% do mundo.
Não é possível que algum magistrado tenha orgulho destes números (acreditariam que isso é sinal de que há mais “justiça” no Brasil?). Algo está errado com a Justiça Trabalhista brasileira. E acreditamos que tenha a ver com a incapacidade de “olhar a floresta”, de perceber o “efeito bumerangue” de suas decisões.
Diversos países europeus já flexibilizaram a sua legislação, não para favorecer empresas, mas sim para proteger o trabalho. E o Brasil, o que fará? Continuar olhando para a beleza das normas jurídicas e criando o “efeito bumerangue” não têm gerado o melhor para o nosso trabalho e nossos trabalhadores.
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