Brasil vem debatendo com bastante passionalidade o Projeto de Lei sobre terceirização. Na verdade, o momento é propício para um reflexão de fundo ainda mais radical que a mudança cosmética do referido PL.
A Justiça do Trabalho foi criada no Brasil na década de 40 do século passado, tendo como principal materialização a CLT. Com a Constituição de 1988, a Justiça do Trabalho teve sua atuação ainda mais ampliada pela constitucionalização de uma série de direitos trabalhistas. Nesse período, especialmente após o período de estabilidade econômica pós Plano Real, e com o consequente aumento do nível de emprego e renda, a Justiça do Trabalho pôde ir adiante do texto legal, construindo uma jurisprudência fortemente “pró empregado”, vale dizer, implementando e criando novos direitos dos trabalhadores para situações não especificamente disciplinadas pela legislação.
Em um estudo preliminar, avaliando 199 decisões e acórdãos do TRT2 e TRT4 (São Paulo capital, e Rio Grande do Sul, respectivamente), constatou-se que em cerca de 35% dos julgados, os trabalhadores foram os unicamente ou fortemente favorecidos, e em mais outros 35% os trabalhadores foram favorecidos em alguma medida. Se esses resultados forem extrapoláveis, em 70% dos processos trabalhistas, a Justiça favorece, em alguma medida, os empregados.
Contudo, possivelmente isso não poderá mais continuar. Os equívocos da política econômica governamental nos últimos anos resultou em baixo crescimento econômico, aumento da miséria e recrudescimento da concentração de renda.
A inflação já está aumentando de maneira consistente e as expectativas de crescimento econômico para os próximos anos será nula ou mesmo negativa. Em abril deste ano, os números oficiais já mostram a escalada no nível de desemprego.
Nesse cenário, a Justiça do Trabalho não contará mais com a realidade anterior. Agora, ela terá de refletir sobre qual é verdadeiramente seu papel. Sua função é apenas a de ampliar direitos trabalhistas independentemente do cenário econômico (e social) ou seu papel é atentar para o plano global e pensar na sociedade como um todo? Seu papel é com toda a sociedade ou de apenas um grupo? Onde fica a responsabilidade da Justiça do Trabalho com a indústria nacional, com as empresas e mesmo com os trabalhadores informais (já que, como visto no caso das PEC das Domésticas, os informais são o outro lado da mesma moeda da formalidade)?
Há a famosa metáfora de que juristas não ponderam as consequências de suas decisões e são treinados a ver a árvore e não a floresta. Os erros da Justiça do Trabalho têm sido causados majoritariamente por essa incapacidade de ver a floresta.
E no caso da indústria? Será que a exigência de negociações prévias com sindicatos, é uma solução positiva de proteção de emprego, ou apenas faz sangrar ainda mais a combalida indústria nacional? Em última análise a escolha trágica em jogo é a de proteger o emprego dos 10% eventualmente demitidos ou o emprego dos 90% que permanecem empregados?
Será que o papel da Justiça do Trabalho é seguir ampliando a criação de direitos para além do texto legal ou, ao contrário, mudar de rumo e passar a reforçar formas privadas e auto ou heterocompositivas?
Não seria o momento da Justiça do Trabalho soltar o freio das amarras que pesam sobre as empresas, e confiar na capacidade de sindicatos, empregadores e mesmo indivíduos fazerem as suas escolhas?
Uma flexibilização dos direitos trabalhistas, ou pelo menos uma maior possibilidade de terceirização não traria uma compensação para indústria e para manutenção de postos de trabalho? Não facilitaria a retomada do crescimento econômico que, em última instância, beneficiaria principalmente os trabalhadores?
Muitos juízes trabalhistas atuam de maneira a implementar um posicionamento político e não jurídico, refletindo valores pessoais e não necessariamente a melhor interpretação jurídica das normas. Há ainda a visão bastante ultrapassada de um conflito entre capital-trabalho, estando o empresário sempre dedicado a “explorar” a mão de obra. Hoje em dia, frente às dificuldades macroeconômicas, à concorrência dos produtos asiáticos, empregados e empregadores estão mais é do mesmo lado; o que se espera é que a Justiça do Trabalho esteja junta, apoiando.
Até o momento, o peso da Justiça do Trabalho “ultrapassada” não foi sentido pelo elevado crescimento econômico. Contudo, a realidade econômica do Brasil de 2015 baterá às portas da Justiça do Trabalho e é fundamental que os juízes acordem para isso e refundem a sua jurisdição em pressupostos mais pragmáticos, consequencialistas e afinados com a necessidade da maioria dos brasileiros, protegendo a floresta muito mais do que a árvore.
Na verdade, o PL da terceirização é apenas o topo do iceberg.
Fonte: “Jota”, 10 de fevereiro de 2016.
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