A insegurança que o exercício da escolha pessoal traz nos leva muitas vezes a recorrer à lógica do pensamento em grupo. Precisamos saber como nossos “iguais” pensam, antes de expor uma opinião.
Como diria Yuval Harari, necessito dominar a narrativa sancionada pela minha tribo, num processo de abdicação da liberdade individual que me obriga a reproduzir modelos simplificadores da realidade endossados por líderes consagrados.
Nesse contexto, em tempos de polarização, a informação relevante parece ser a quem devemos odiar. Definido o alvo, é inaceitável ouvir, com suspensão inicial de crítica, a quem desconfio que apoia o receptor do meu ódio.
Ouvimos ou lemos postagens em redes sociais e artigos apenas com a finalidade de encontrar o que precisa ser rapidamente repudiado.
Mas esse fenômeno não é recente, nem mesmo no Brasil.
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Na brilhante biografia do Barão do Rio Branco, de Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a polarização ali retratada se exprimia de outras formas, como a desqualificação de Juca Paranhos, anteriormente monarquista, por parte de alguns de seus antigos correligionários, que não teriam aceitado vê-lo trabalhando para a República.
O mesmo ocorreu com republicanos de primeira hora que, durante as negociações com os governos boliviano e peruano, em torno da questão do Acre, não o aceitavam como suficientemente confiável, dada sua origem saquarema.
O mundo vive de narrativas e é quase impossível viver em sociedade sem elas. O problema começa quando elas nos impedem de pensar ou de fazer uma avaliação mais precisa e, portanto, complexa, da realidade.
Com a velocidade das comunicações nos dias de hoje, torna-se premente contar com um esquema simplificador e abrangente que permita decodificar a fala oficial da tribo a que nos afiliamos, para poder rapidamente reagir com ódio ao inimigo percebido.
Isso com certeza não ajuda o país a navegar nos tempos incertos que vivemos. A cultura do ódio é própria de quem não acompanha a história e estará assim fadado a repetir os inúmeros erros já cometidos.
A falta de pensamento complexo, crítico e sistêmico, próprio do campo da filosofia, leva-nos a leituras apressadas dos eventos, a não perceber os profundos riscos que corremos e até a não aproveitar oportunidades que a vida nos oferece.
E é desse material que o populismo se alimenta.
Quando a população quer ouvir soluções simplistas e se une em tribos que consomem teorias conspiratórias, o caminho está aberto para que políticos falem com as pessoas como se elas tivessem 12 anos de idade. E populismo é sempre ruim, tanto faz se de direita ou de esquerda.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/05/2019