Foi a maior vitória do governo Jair Bolsonaro no Congresso Nacional até agora. Os parlamentares afastaram ontem o risco de impeachment, demonstraram uma capacidade de negociação surpreendente e comprovaram que, apesar da inexistência de uma base governista sólida, a democracia ainda pode funcionar no Brasil.
Por unanimidade dos presentes – 450 deputados e 61 senadores –, a sessão conjunta de ontem no Congresso aprovou a lei que autoriza o Tesouro a tomar US$ 249 bilhões emprestados no mercado. O dinheiro será usado para pagar benefícios previdenciários e assistenciais da Previdência (R$ 232 bilhões), o Bolsa Família (R$ 6,6 bilhões), subsídios agrícolas, habitacionais e outras despesas correntes.
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A Constituição proíbe que o governo empreste dinheiro para financiar despesas correntes, a não ser que autorizado explicitamente pelo Congresso (dispositivo conhecido como “regra de ouro”). Para não incorrer em crime de responsabilidade (e evitar o risco de impeachment com base na mesma violação que derrubou Dilma Rousseff), Bolsonaro afirmara no sábado que suspenderia pagamentos.
A ameaça surtiu efeito. Mas o que funcionou mesmo para destravar a proposta foi a tão atacada “articulação política” do tão criticado Parlamento. A oposição pediu dinheiro para habitação, educação e bolsas de estudo. Contrariando a postura ideológica irredutível do ministro Abraham Weintraub, o governo cedeu.
Resultado: R$ 1 bilhão do dinheiro que o governo emprestar serão destinados a aliviar o contingenciamento de R$ 5,8 bilhões imposto ao Ministério da Educação. Outros R$ 330 milhões irão para bolsas do CNPq, também congeladas. Fora isso, o programa Minha Casa, Minha Vida receberá R$ 1 bilhão, e as obras de transposição do rio São Francisco, mais R$ 550 milhões.
Com as alterações, todos os parlamentares aceitaram aprovar o alívio ao governo. É a primeira vez, desde a promulgação da Constituição, que o país precisa tomar dinheiro emprestado para não descumprir a “regra de ouro”. Tal fato revela como é crítica nossa situação fiscal. Em seu último relatório sobre o assunto, a Instituição Fiscal Independente (ISI), organismo apartidário vinculado ao Senado, estimou que a dívida pública brasileira só voltará a cair a partir de 2026.
A sessão do Congresso de ontem não tem o condão de, por si só, nos afastar do abismo fiscal. Mas tem uma importância histórica. Revelou uma improvável capacidade de união política do país diante das dificuldades. Mostrou que todos, governo e oposição, as conhecem perfeitamente e podem, se quiserem, deixar de lado os interesses da política partidária em nome do bem comum.
Ninguém pode deixar de reconhecer a importância desse fato. Seria ainda melhor se essa disposição de negociação política se estendesse a outros temas em pauta no Congresso, sobretudo à reforma da Previdência, cujo relatório na Comissão Especial é esperado para esta semana. Qualquer parlamentar informado conhece as injustiças do sistema previdenciário brasileiro, que pune os mais pobres e mantém privilégios ao funcionalismo público a àqueles que se aposentam cedo.
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É verdade que a proposta do governo é imperfeita. Mas ao menos corrige as distorções essenciais, ao unificar as regras da aposentadoria nos setores públicos e privado. Verdade maior ainda é que, se a Previdência não for reformada, o país irá à bancarrota. Ela já consome seis de cada dez reais do Orçamento. Retira dinheiro da saúde, educação, segurança, infra-estrutura e de outras necessidades urgentes.
Que nossos parlamentares tenham a mesma maturidade para negociar mudanças que resultem, se não na unanimidade obtida na sessão de ontem, pelo menos na aprovação. Nenhuma proposta será capaz de satisfazer a todos. Diante da urgência imposta pelo abismo fiscal, a Previdência é um daqueles casos clássicos em que o bom é inimigo do ótimo. Quem é contra reformá-la é contra o Brasil.
Fonte: “G1”, 12/06/2019