*Demétrius Cabral
Muito focamos nos mesmos exemplos de sempre ao explicar oferta e demanda. Fazendo com que sempre as palestras as quais assistimos nos eventos pró liberdade pareçam apenas extensões de salas de aulas onde reina muita teoria e um isolamento do mundo real, da sociedade, de seus anseios e desejos.
Ao fazermos isso, continuamos entendendo que o mercado da laranja é de concorrência perfeita, que os preços de determinados produtos são ou não inelásticos e que demanda e oferta são interligados. Que, se há procura há quem queira ofertar. E que caso controlemos o preço, não será interessante para os empresários produzirem e ocorrerá escassez de tal bem.
Ok, mas e quando vamos dialogar com a população ou em nossos ciclos sociais, sabemos dar exemplos? Sabemos identificar exemplos mais palpáveis e apresentá-los para a população?
O mercado de vestuário por exemplo, que movimenta aproximadamente U$1,79 trilhão, é um bom case de como podemos visualizar mudanças atuais no comportamento do consumidor e trazê-las para exemplificações.
Ao falarmos de empresas que focam nas mudanças recorrentes em tendências mas em um ticket médio mais acessível, como a famosa Shein e suas polêmicas blusinhas taxadas, ou a Zara, principal market share do grupo Inditex, responsável por tornar Armancio Ortega o homem mais rico da Espanha. Conseguimos perceber que há uma demanda por gastar pouco e de forma frequente para usar sempre roupas atuais e novas. E que não há um interesse em que certas roupas sejam investimentos de longo prazo, pois em algum momento não serão mais desejadas. Todavia, mesmo dentro dessas gigantes ainda existirão linhas focadas em produtos mais caros, pois reconhecem que existirá demanda para tais, mesmo que, pontualmente e/ou em menor escala.
Ao observarmos grupos como a LVMH percebemos que a holding opta por cobrir a demanda de luxo de diversos segmentos que tangenciam o mesmo ecossistema, vendendo roupas, perfumes, jóias, bebidas, barcos e até mesmo possuindo uma agência de viagens. Já a holding brasileira Azzas2154 opta por diversificar no setor do vestuário e acessórios. Vendendo tickets que vão desde a famosa camiseta básica da Hering até marcas como Reserva e Animale, aproveitando sua expertise no setor de vestuário para percorrer diversas demandas de diferentes produtos e faixas de preços.
Há também um grupo em particular que foca na escassez. E empresas como a StockX e a brasileira Droper perceberam esta oportunidade e criaram plataformas tech para a revenda de artigos de vestuário, acessórios e até mesmo alguns itens colecionáveis. Plataformas como essas trazem a oportunidade do revendedor ou colecionador anunciar seu artigo, realizando leilões, funcionando como uma verdadeira bolsa de valores de artigos físicos. Essa proposta de funcionar como um market place nichado cria toda uma economia paralela, baseada totalmente no desejo e valor atribuído a um bem de acordo com o quanto os consumidores estão dispostos a pagar pela escassez. O curioso é que as marcas possuem ciência deste mercado paralelo, lançando modelos limitados e utilizando mecânicas como sorteio para que o consumidor possa ter a possibilidade de compra de um determinado item, por mais bizarro que pareça, você precisa ser sorteado para poder gastar seu dinheiro. Marcas de luxo também utilizam um sistema de lista de espera, no qual para comprar um determinado produto você precisa esperar meses para que chegue sua vez.
E para que trazer todos esses exemplos? Você pode perceber que mesmo que para um nicho específico, como o de vestuário, as empresas precisam tomar decisões de posicionamento e de precificação como resposta às demandas presentes na sociedade. Podendo se adequar a novas tendências comportamentais, tecnológicas, ou definindo qual nicho e comportamento deseja corresponder. Desta forma, temos diferentes ofertas para diferentes demandas. Ao final do dia, quem decide se determinado produto será comercializado ou não, é o consumidor. Pois basta que o mesmo não compre aquele produto para que a empresa interrompa sua comercialização.
Apresentando esses exemplos e começando a escrever a série de artigos A Mão Não Tão Invisível Do Mercado. Espero demonstrar que as pessoas podem observar os motivos pelos quais escolhem o produto X e não o produto Y e se estão notando alguma intervenção do governo naquele processo de compra. Podendo estes serem: novos impostos no produto final ou na cadeia de produção, burocracias para novos empreendimentos no ramo, (como a demora para receber uma licença para comercializar ou produzir). Trazendo um questionamento, será que os brasileiros optam por comprar da Shein devido a um novo hábito, no qual as pessoas estão comprando mais por meios digitais ou seria devido a preços menores do que se comparados com os produtos brasileiros? Por conseguinte, é possível também trazer questionamentos sobre o mercado nacional e de qual forma estamos situados em um panorama global, citando alguns: nossa economia está sendo competitiva o suficiente? Os custos de produção permitem que o empreendedor brasileiro entre em uma guerra de preço com fornecedores estrangeiros? É estratégico ter a produção de determinado produto em solo nacional? Exercitando esses questionamentos e reconhecendo nosso arranjo econômico, podemos através dessa consciência tomar decisões de consumo, trabalho e investimentos. De modo que, possamos cobrar nossos representantes políticos e nos mobilizarmos para ter uma sociedade mais justa e próspera.
Demétrius Cabral é estudante de administração pela Unicamp, coordenador do SFLB e entusiasta nos temas de economia e ciência política.