*Demétrius Cabral
Em diversas bibliografias escreve-se sobre a história do dinheiro, como em Paper Money de Adam Smith ou em Principle of Economics de Carl Menger. Relata-se que, inicialmente, as trocas eram realizadas utilizando produtos como gado, grãos e metais preciosos, progressivamente esses bens foram substituídos por moedas cunhadas em ouro e/ou prata, ao reviver esses relatos históricos podemos logo perceber que ali já havia uma espécie de precificação. Posteriormente, há indícios de que o papel moeda teve início na Dinastia Tang e teve sua expansão de uso durante a Dinastia Song. Ainda no papel moeda houve períodos nos quais o dinheiro era lastreado em ouro. Mas com em transições e conflitos históricos o lastro no ouro foi relativizado até ser abandonado em 1971 no acordo de Bretton Woods. Hoje em dia o dinheiro é virtual não apenas devido ao seu lastro. Mas tende a ser também em essência, como observado no surgimento das criptomoedas.
Para muitos, o dinheiro veio para substituir o escambo entre produtos. Mas não seria ele mais um produto a participar do escambo? Vamos fazer um exercício de reflexão, imagine que você ao entrar em uma loja vê uma prateleira cheia de moedas e notas. Você fica curioso e rapidamente chama um vendedor, ele te explica que estão a venda, que cada uma tem um preço, cada um tem seu ponto forte, é aceita em determinados países, que o fabricante é muito ou pouco confiável, que o mesmo muda ou não o projeto frequentemente, que a qualidade varia e que as pessoas costumam comprar mais aquele modelo do que os outros.
Bom, vamos ver as características comuns entre diferentes espécies de produtos e tentaremos encontrá-las no dinheiro:
- Valor utilitário: cada produto tem uma utilidade. A utilidade do dinheiro seria ser um intermediário e facilitador de troca de diferentes demandas
- Valor percebido: valor atribuído ao produto de acordo com os consumidores. Sabemos que os consumidores, atribuem uma percepção de valor para o dinheiro.
- Disponibilidade: os produtos precisam estar disponíveis para o consumidor. A população consegue adquirir diversas moedas.
- Preço: todo produto tem um preço associado. A moeda também, cada moeda, de determinado país pode ser comparada com a de outro país.
- Durabilidade e Ciclo de Vida: muitos países já trocaram sua moeda por diversos motivos, entre eles quando uma moeda passa a ter um valor tão pequeno que seu uso torna-se não prático. Além disso, a moeda tem como uma de suas representações a forma física, ficando suscetível a danos.
- Design e Estética: as notas têm diferentes estampas e passam diferentes mensagens. Na época imperial possuíam figuras de imperadores, por exemplo. Refletindo sobre o poder do cargo.
- Produção e Fabricação: para que o dinheiro chegue na mão da população, existe uma fabricação e distribuição.
- Marca e Identificação: além do design, cada moeda recebe um nome, uma identificação do país que a utiliza e a quantidade de valor que representa.
- Satisfação das Necessidades do Consumidor: sim, o dinheiro satisfaz a necessidade de armazenar um grande valor monetário e facilitar o transporte do mesmo. Ao invés de transportar diversos produtos e bens a pessoa pode simplesmente convertê-los em dinheiro.
- Regulamentação e Normas: até mais do que diversos produtos o dinheiro segue regulamentações e normas, inclusive o monopólio de quem o produz, quem pode receber, quando pode receber e os motivos pelos quais alguém pode receber uma quantia de capital.
Ademais, assim como todos produtos, aplica-se a lei da oferta e demanda. E é aqui que entra um dos maiores problemas relacionados à moeda e não entender-se que a mesma é um produto: a inflação. Se um determinado governo decide produzir mais dinheiro do que demanda-se, o mesmo perde o valor, desta forma é necessário maior quantidade de capital do que anteriormente para comprar os mesmos produtos. O Real desde o Plano Real, por exemplo, perdeu cerca de 80% do seu valor, onde 1 real daquela época, valeria hoje apenas alguns centavos. Além de que esse processo inflacionário aumenta a desigualdade, vide Efeito Cantillon.
Ainda parece muito abstrato? Vamos então imaginar que você está indo comprar um carro, não obstante o fato de que o carro zero mais barato do Brasil lhe custará cerca de R$75.000, ou 49,40 salários mínimos, se preferir. Você o compraria sabendo que aquele veículo apresentará algum defeito mecânico em pouco tempo? Ou que caso você precise vendê-lo ou pretenda trocá-lo por outro no futuro ele terá tido uma grande desvalorização?
É essa reflexão que investidores realizam quando estão decidindo onde irão alocar seus recursos no mercado de capitais global. Para grandes investidores, o mundo é um grande mercado, com diversas prateleiras, com diversas moedas, em diferentes apresentações, as quais serão dadas determinados usos. E é por essa escolha que os países competem. Além de fatores derivados da moeda como grau de concorrência em determinados setores, oportunidade e taxa de juros, a moeda é levada em consideração, devido ao fato de que a própria está envolvida em todo processo, sendo o meio pelo qual todos os produtos e serviços serão adquiridos e realizados, podendo adquirir e perder sua confiança e liquidez.
Desta forma, podemos compreender o quão importante é não permitir que o governo tome decisões que podem tornar a moeda corrente de um país um péssimo produto na prateleira que é o mundo. Pois assim como todo consumidor, os investidores escolherão os produtos que apreciam e acreditam que serão os melhores para seus objetivos individuais. Sendo esse um dos motivos pelos quais uma moeda de uma determinada nação pode vir a valer diversas vezes o valor de outra. Caso o governante realize essa tomada de decisão prejudicial, seria como um fabricante tomasse diversas decisões que tornaria aquele produto que todos queremos ao vê-lo em um estabelecimento comercial, ou até mesmo na internet, um produto o qual não teremos nenhum interesse em comprá-lo, pois aquele produto que ora possui certa qualidade, não tem a mesma que ora teve. Creio que quando a noção da Moeda como produto é deturpada, isso permite que governos a apresentem como algo imaterial, distanciando conceitos como inflação, tributação e monopólio.
Concluindo, como todo produto, a moeda passou por diversas mudanças ao longo da história, acompanhado pelo avanço da tecnologia, por conflitos e ações políticas. Assim como todo produto, algumas mudanças são positivas, outras questionáveis e outras inegavelmente negativas. E desta forma, sendo o futuro incerto, com inovações tecnológicas exponenciais, não sabemos o futuro que a ideia da Moeda como produto terá, mas há uma certeza que podemos ter, que ela valerá, o valor que as pessoas atribuírem a ela.