Não se faz jornalismo, nem mesmo matéria de opinião, fechado em uma redação ou circunscrito ao rarefeito ambiente de um laboratório acadêmico. É preciso ver, ouvir, apurar, sentir, refletir e, só então, escrever. Nada supera o realismo da velha e boa reportagem. Com esse espírito, mergulhei numa pauta assustadora: a dependência química.
Cabeça baixa, olhos cravados no chão, coração encharcado de dor. “Será que Deus ainda olha para mim?” Paira no ar um tristeza densa, que se pode cortar. A falência da autoestima e o sentimento de culpa, à semelhança de uma laje de chumbo, esmagam a alma. A cena, dura e forte, retrata o day after de um adicto de cocaína. O drama, tragicamente rotineiro no frio anonimato da cidade sem alma, não é um recurso ficcional. É real. Tem nome e sobrenome, obviamente preservados por razões éticas elementares. Recuperou-se na Comunidade Terapêutica Horto de Deus, em Taquaritinga, no interior de São Paulo (www.hortodedeus.org.br). Seus olhos recobraram a luz da esperança. Retomou os estudos, concluiu a faculdade de publicidade e propaganda e está batalhando. Sua história, parecida com a de milhares de jovens, deve ser registrada. E a mão que o salvou, o Horto de Deus, merece matéria.
Com gravíssimas dificuldades financeiras e sem qualquer apoio dos governos, embora não faltem falsas promessas de ajuda de políticos oportunistas e de prefeitos de turno, a entidade tem sido responsável pela recuperação de inúmeros dependentes químicos. Os governos não se dão conta de que o trabalho dessas instituições repercute diretamente na qualidade da segurança pública e no custo da saúde.
Reuni-me com internos do Horto de Deus. A conversa, franca e direta, foi ao cerne do problema, desfez inúmeros equívocos e me transmitiu a sinceridade afiada daqueles que conheceram o fundo do poço. Ao contrário, por exemplo, dos que defendem a descriminalização das drogas e proclamam o caráter supostamente inofensivo da maconha, todos afirmaram que o primeiro baseado foi o passaporte para as drogas mais pesadas. TKM, de 21 anos, fumou seu primeiro cigarro de maconha com 12 anos. Com 16 anos já tinha mergulhado na cocaína. Chegou à comunidade terapêutica dominado pela dependência do crack. Recupera-se bem, resgatou valores e recuperou a esperança. “Sonho com o futuro. Antes, vivia só para as drogas.” Seus olhos têm brilho. Um belo exemplo de trabalho de recuperação.
O governo da presidente Dilma Rousseff precisa olhar o trabalho das comunidades terapêuticas com seriedade. Impõe-se um decidido apoio às entidades idôneas que batalham pela recuperação dos dependentes. Afinal, um adicto recuperado é o melhor aliado na luta contra as drogas.
Fonte: O Globo, 10/01/2011
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