A marcha da economia brasileira neste momento indica duas coisas: 1) ela está na banguela e vai despencando; 2) ela já esteve na banguela e anda devagar porque chegou numa rampa, lotada de encargos.
As duas coisas podem ser verdadeiras.
Os números são adversos. O chamado “PIB do BC” – na prática uma avaliação mensal do andamento do Produto Interno Bruto feita pelo Banco Central e que, projetada, ajuda a estimar o PIB do ano – registrou retração de 0,32% no mês de outubro, em comparação com setembro, pior do que muitos economistas previam.
O fato foi logo atribuído à “crise internacional” por vários comentaristas, mas, na verdade, o gráfico do PIB do BC mostra que ele já vinha caindo, depois de ter alcançado um pico antes do início do segundo semestre. A queda de outubro apenas foi mais dramática. E, em virtude dela, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que apostava num crescimento de 3% do PIB em 2011, já cortou sua previsão para 2,8%. Do alto das minhas humildes sandálias, ouso ir além, ou seja, abaixo: o PIB de 2011, acredito, não deve superar os 2%. Palpite que só poderá ser confirmado, na melhor das hipóteses, no final do primeiro trimestre de 2012, dado o proverbial atraso das aferições estatísticas confiáveis no Brasil (estão melhorando, estão melhorando!).
Bem, o que está acontecendo na prática é que a economia brasileira parece que hoje em dia está mais “em fase” – como se diz – com a economia internacional, o que não ocorreu na crise de 2008-2009. Naquela época, houve uma defasagem que permitiu ao nosso guia genial dizer, como todos se lembram, que o que se passava na economia internacional era apenas uma “marolinha” que o Brasil não precisava temer. Ao perceber que o País teria muito a temer, e que não se tratava de “marolinha”, o grande gênio pediu que se improvisassem medidas anticíclicas, que de fato levaram a economia brasileira para fora do desastre. Mas a diferença principal daquela crise, em relação à atual, é que ela era eminentemente bancária, provocada por excesso de facilitário creditício e inchaço da inadimplência – ou seja, afetava principalmente o setor bancário privado norte-americano. Nada que o Tesouro ianque não pudesse resolver com gordas injeções de liquidez, como, aliás, acabou fazendo.
A crise de hoje é diferente. Em primeiro lugar, é “soberana” – para usar esse modismo que esconde que se trata de crise das finanças de vários governos europeus e é resultado, fundamentalmente, da ação de governantes ineptos, demagógicos e covardes, assediados sempre por um sindicalismo altamente predador, tanto do lado patronal quanto do lado do trabalhador. Aliás, chamar, hoje em dia, de “trabalhador” um europeu com carteira assinada e sindicalizado é quase cuspir na cara dos trabalhadores do resto do mundo. A grande maioria desfruta de momentos de conversação amena nos locais de trabalho, vigiando a massa de imigrantes não sindicalizados que de fato trabalham.
Os déficits e dívidas monstruosos de vários governos europeus são o que se poderia esperar da falta de competência e coragem – na Grécia, na Espanha, em Portugal, na Itália e onde mais – de resistir aos vorazes comensais das pizzas orçamentárias: aposentados; funcionários públicos; assalariados de empresas públicas; mutuários e beneficiários de benesses governamentais especiais criadas pelos mais diversos títulos; máfias de empreiteiros e de empresas de equipamentos militares; bancos de investimento – enfim, a imensa clientela dos orçamentos públicos (sem esquecer, é claro, dos corruptos de diversos calibres).
Os governos da Europa que 50 anos atrás eram padrão mundial de higidez financeira e fiscal se transformaram na cornucópia de uma derrama praticamente sem limites a desafiar qualquer cálculo atuarial. A ponto de não poder saber por onde começar para consertar alguma coisa. E a moeda única, o euro, ainda por cima opera como uma espécie de vírus disseminador do quebra-cabeças.
Se juntarmos à desordem financeira a crise maior, que é a da liderança política europeia atual, em que nenhum dos fantoches em movimento exibe o menor perfil do que antigamente se chamava de estadista – e mais se parecem, todos, com anões de jardim -, é fácil prever que essa crise terá longuíssima duração, e nada garante que não se aprofunde ainda mais.
Voltemos ao Brasil.
A população está satisfeita porque está podendo consumir mais e viver melhor. O governo está satisfeito porque está arrecadando mais e dispõe de um colchão de reservas cambiais e bancárias para usar em caso de baque na economia. O empresariado está menos otimista do que quando o ano começou, mas ainda aposta em melhorias. Os políticos cuidam da sua especialidade, que consiste em encher os bolsos e a paciência do público.
Mas a queda do PIB de outubro foi um sinal de que a “marola” está chegando às nossas praias e em 2012 a economia brasileira enfrentará muito mais rampa.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 19/12/2011
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