Sempre imaginei que economistas, especialmente os que se especializaram no estudo do mercado de trabalho, soubessem identificar uma situação de pleno emprego, mas me enganei. Por incrível que isso possa soar, ainda há quem acredite numa versão mecânica do fenômeno, igualando pleno emprego ao esgotamento “físico” do universo de pessoas em idade ativa, apenas atingido quando praticamente todos (exceto idosos e crianças) na População em Idade Ativa (PIA) estiverem empregados. Já pela ótica econômica, a configuração do pleno emprego é bastante distinta.
A qualquer momento as pessoas em idade ativa se defrontam com uma decisão nada trivial: participar ou não do mercado de trabalho. Há, é claro, aqueles para quem trabalhar é um imperativo, sem o que não conseguiriam sobreviver. Estes, quase por definição, farão parte da População Economicamente Ativa (PEA), ou seja, os engajados no mercado de trabalho, empregados ou buscando emprego.
Para outros, porém, há alternativas ao mercado, desde estudos até o cuidado com os filhos, sem obviamente esgotar as possibilidades. Neste caso a decisão de participação depende do balanço entre custos e benefícios.
Os custos refletem a probabilidade de obtenção de um emprego. Em períodos de crise, por exemplo, quando a probabilidade é baixa, espera-se que a PEA se reduza face à PIA, ou, posto de outra forma, que a taxa de participação (a razão entre PEA e PIA) caia. Isto foi observado, por exemplo, no começo de 2009 (ver gráfico), refletindo a crise internacional.
Em particular, como a taxa de desemprego é calculada com relação àqueles engajados no mercado, tal redução fez com que a taxa observada de desemprego aumentasse apenas marginalmente no período, dando a falsa impressão que o mercado de trabalho teria sofrido pouco na crise. Já a estimativa de desemprego ajustada a movimentos da taxa de participação revela, ao contrário, uma elevação de quase dois pontos percentuais no desemprego (ver gráfico), “mascarada” pela queda da taxa de participação.
Os benefícios, por sua vez, refletem o salário esperado, isto é, a taxa de participação cresce em linha com salários, como, aliás, observamos no período mais recente e de forma mais intensa no trimestre final do ano passado. Isto, por sua vez, tende a “mascarar” a queda da taxa de desemprego, já que mais pessoas se juntam à PEA, elevando a quantidade ofertada de mão de obra.
Caso a elevação dos salários necessária para convencer essas pessoas a se engajar no mercado se dê no mesmo ritmo que a expansão da produtividade, os custos unitários do trabalho permanecem inalterados. Significa que o ritmo de crescimento da demanda por mão de obra é consistente com a expansão da oferta (seja pelo crescimento populacional, seja pela maior taxa de participação) e também congruente com a inflação na meta. Isto configura o pleno emprego na ótica econômica.
Se, porém, o aumento da taxa de participação exigir elevações salariais em excesso ao crescimento da produtividade (portanto elevação do custo unitário do trabalho), surgirão pressões inflacionárias, indicando que a economia está operando além do pleno emprego.
A perspectiva econômica do mercado de trabalho, portanto, sugere que a disponibilidade de mão de obra fora da PEA está longe de ser suficiente para determinar se a economia opera abaixo do pleno emprego. O crucial é saber se a elevação salarial necessária para convencê-los a se juntar à PEA é alinhada com o crescimento da produtividade.
Este não parece ser o caso no Brasil de hoje. Pelo contrário, salários médios nominais têm crescido a taxas superiores a 10% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já o crescimento da produtividade, tomado ao pé da letra, foi negativo em 2012, uma vez que a expansão do emprego (pouco mais que 2%) superou largamente o crescimento do PIB.
Mesmo tomando (como acho correto) uma medida de tendência da produtividade, em vez da observação pontual do ano passado, a conclusão não se alteraria: salários crescem acima da produtividade, forte indicação de uma economia em que o mercado de trabalho está excessivamente aquecido.
Uma vez analisada a questão sob uma ótica econômica, que envolve pessoas tomando decisões à luz de custos e benefícios, fica difícil escapar à conclusão que, a despeito de possível disponibilidade de mão de obra além da PEA, a economia brasileira opera sim a pleno emprego. Apenas ignorando os aspectos econômicos do problema, em particular a evolução dos preços, é que se pode iludir acerca dos obstáculos hoje enfrentados no mercado de trabalho.
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2013
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