O momento é absolutamente crítico; a chaga da COVID-19, com sua insistência patológica, segue exigindo esforços e sacrifícios coletivos de todos. A questão é que, além do vírus, há uma exaustão no ar; os profissionais da saúde estão exauridos e no limite da capacidade técnica; pais e famílias angustiam-se, legitimamente, por seus filhos sem escolas regulares; o comércio sofre; inúmeros negócios fecham; a pobreza aumenta; vidas se vão para não mais voltar…
Apesar de toda aridez e tristeza vigentes, precisamos reagir. Em sentença lapidar, atravessando momento histórico delicado, a liderança de Franklin Delano Roosevelt fez lembrar que uma das funções da política é libertar as pessoas de seus medos. E isso só é possível quando a autoridade pública assume o inderrogável compromisso de falar a verdade, olhando nos olhos dos cidadãos em um gesto de confiança, segurança e empatia.
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Sim, é dever do Estado tutelar e proteger a saúde, mas não é direito dos governos promover a miséria, a fome, o desemprego ou a indigência econômica. Os desafios do presente, em suas múltiplas facetas, exigem prudência, equilíbrio e milimétrica atenção aos dados da realidade. Problemas complexos não se resolvem com aparentes soluções lineares, exigindo lógicas abertas, ponderadas e flexíveis ao dinamismo das múltiplas variáveis relevantes envolvidas. Infelizmente, a onerosa e ineficiente cultura do improviso ainda governa muitos núcleos da República.
Aí, quando os céus não nos protegem, os dilúvios acontecem. Ora, os governos existem para antever, evitar ou amenizar tragédias e, não, para potencializar suas causas e efeitos. No caso da COVID-19, não há e não houve um
planejamento sério e articulado para bem enfrentar a pandemia em curso. Aqui, não adianta querer tapar o sol com a peneira e ficar transferindo circularmente responsabilidades; isso já foi feito e, como visto, não chegamos a lugar nenhum.
O fato é que o governo federal pecou na sua tarefa de liderar a nação. Aliás, conseguimos a proeza de ficar momentos pandêmicos cruciais sem um ministro da Saúde titular. Parece incrível, mas aconteceu. No vácuo da liderança federal, governos estaduais assumiram decisões de ponta, utilizando critérios insuficientes e desencontrados; entre idas, vindas e desentendimentos mil, as condições do caos foram gradualmente estabelecidas, sacrificando municipalidades inteiras na desorganização oficializada. Ou seja, vivemos em uma autêntica babel federativa.
De tudo, resta a certeza de que – passados um ano do início da pandemia – o plano nacional de vacinação poderia estar melhor estruturado e com resultados mais efetivos. De forma patética, o ego incontrolável de alguns e a estupidez irresponsável de outros substituíram o bem do Brasil por artimanhas tacanhas de próprio umbigo.
Embora a exata extensão dos danos ainda seja incerta, exsurgem desmandos absolutos. Como se não houvesse limites, franquias constitucionais inegociáveis restam fragilizadas perante uma Suprema Corte recorrentemente banalizada em sua alta função jurisdicional. Aos poucos, o império da lei vai sendo relativizado no carnaval dos arbítrios arrogantes. Não à toa, o sentimento de justiça desce, enquanto a insegurança jurídica se agiganta.
Sem cortinas, a República pressupõe uma ordem governamental estável, mediante competências legais orgânicas, positivas e sequenciais. Em outras palavras, há uma organização estrutural do poder entre a União, estados e municípios, sendo a desordem reinante o sintoma vivo de um mau governo. Definitivamente, as nações não fracassam por acaso; decisões ruins, além de um alto preço político, geram dolorosas consequências práticas. No todo, só bons líderes conseguem governar bem, sendo o apelo a confusões sucessivas um atestado de inaptidão governamental.
Com coragem e verticalidade, a humanidade já triunfou sobre inúmeras tragédias e também vencerá o coronavírus. Agora, o desapego à verdade não mais pode continuar. Em sentença lapidar, a inteligência de Orwell desvelou que “political language is designed to make lies sound truthful and murder respectable, and to give an
appereance of solidity to pure wind”. No ecoar das palavras, o tempo passa e as lápides aumentam. Incrédulo e desesperançado, o cidadão mira o céu, perguntando-se em clemência: até quando?.
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