Na CPI, no julgamento do mensalão e nas medidas para destravar o mercado, o Brasil busca seu futuro
Prosseguem em duas frentes as difíceis batalhas pela modernização de nossas instituições. No front político, o julgamento do mensalão e a CPI do Cachoeira. No front econômico, as greves do funcionalismo público federal e as medidas de cunho “capitalista” preparadas pela presidente Dilma Rousseff. Uma improvável mas concreta aliança entre a “esquerda” e os “conservadores”, sempre em nome da “governabilidade”, acabou se tornando um formidável impedimento à modernização institucional brasileira.
O abraço de Lula e Maluf é o símbolo dessa aliança. Na verdade, tucanos e petistas praticaram a mesma fórmula, atolando nossas instituições no pântano de uma transição inacabada do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta.
Sofremos dos males dessa transição incompleta. A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa são maldições de regimes fechados que ainda não erradicamos. “O poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”, afirmou o político liberal britânico Lord Acton (1834-1902). “Tudo dependia de um poder central. E a centralização sobreviveu à realeza derrubada, surgindo um poder absoluto de ferocidade ainda maior que o das monarquias”, disse o historiador francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) sobre a degeneração dos ideais democráticos no Terror jacobino.
A construção de uma sociedade aberta exige incessante aperfeiçoamento institucional. O julgamento do mensalão tem, por isso, dimensão histórica. Vai muito além de tecnicalidades jurídicas, que distinguem “caixa dois” como crime e “recursos não contabilizados” apenas como lapso. Vai também muito além da feroz disputa de poder entre tucanos e petistas. A dimensão histórica do julgamento virá de sua leitura simbólica pela população. Está em jogo o futuro de nossas práticas políticas.
Os petistas estão hoje no banco dos réus com o mensalão. Mas houve também acusações contra os tucanos em episódios como a emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC, as privatizações e o mensalinho na campanha de Eduardo Azeredo para o governo de Minas Gerais. Como veio, logo depois, o mensalão do DEM, com José Roberto Arruda no Distrito Federal. E surge agora a CPI do Cachoeira, atingindo o governador Marconi Perillo, do PSDB. “As piores características do sistema centralizado não são acidentais, e sim suas consequencias inevitáveis”, afirmou o economista austríaco Friedrich von Hayek (1899-1992). “É por isso que os menos escrupulosos e os mais desinibidos são cada vez mais bem-sucedidos nesse ambiente. Em nome de nobres ideais, mergulha-se em atmosfera moral cada vez mais deformada, em que os fins justificam os meios e os piores são os que chegam ao topo.”
Práticas políticas degeneradas são o resultado da concentração de poderes e da centralização administrativa. A inegável corrupção sistêmica prossegue em escalada até o mensalão, “o mais ousado esquema de corrupção e desvio de dinheiro público, o mais grave atentado que já tivemos à democracia brasileira”, segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. A desmoralização de nossa classe política é um sintoma da transição inacabada para uma sociedade aberta. “Nada é mais fértil do que ser livre, mas nada é mais árduo do que o aprendizado da liberdade”, disse Tocqueville sobre os desafios de uma nova ordem democrática.
Enfrentamos dificuldades semelhantes na dimensão econômica. De olho na criação de empregos, na estabilidade das expectativas inflacionárias e no crescimento futuro, a presidente resiste à escalada de greves do funcionalismo público federal. As pressões dos sindicatos por reajustes salariais astronômicos são descabidas. Os salários dos servidores públicos federais já foram reajustados bem acima da inflação nos últimos anos. Houve mesmo expressiva transferência de renda da população contribuinte para o funcionalismo público federal. Isso causou uma ampliação contínua de gastos públicos em consumo corrente – com despesa de pessoal -, em detrimento dos investimentos públicos em infraestrutura.
Com empregos garantidos, salários e aposentadorias mais altos que no setor privado, os servidores públicos simplesmente ignoram a guerra mundial por empregos. Suas greves ameaçam desestabilizar os orçamentos públicos, desorganizar as cadeias produtivas e recrudescer as expectativas inflacionárias. O sindicalismo exacerbado e o corporativismo anacrônico, patrocinados por uma social-democracia obsoleta, estão entre os males que devastam a economia europeia.
A presidente Dilma resiste ao cerco dos sindicalistas, afirmando que sua prioridade é “assegurar empregos para aquela parte da população que é a mais frágil, que não tem direito à estabilidade, que sofre por estar desempregada”. Seu governo continua examinando a desoneração das folhas de pagamentos das empresas por meio da redução de encargos sociais e trabalhistas que incidem sobre o custo da mão de obra. Esses encargos são armas de destruição em massa das oportunidades de emprego no Brasil. “Queremos todos os brasileiros empregados”, diz Dilma. A redução dos encargos pode criar milhões de empregos formais na economia, custos mais baixos para as empresas e maiores salários para os trabalhadores.
Outra medida sob exame seria reduzir impostos para derrubar o preço da energia elétrica. Os impostos praticamente duplicam o custo de nossa energia e tiram competitividade de nosso parque industrial. Transformam uma energia barata, à base de usinas hidrelétricas, numa energia mais cara do que a de países com matrizes energéticas menos favoráveis. Uma renúncia fiscal pode baixar substancialmente o preço da energia industrial.
De olho na redução dos encargos trabalhistas para criar milhares de novos empregos, na redução de impostos para derrubar custos industriais, defender nossa competitividade, os empregos existentes e o crescimento futuro, Dilma enfrenta as pressões dos sindicalistas. Anuncia também, em busca da reaceleração do crescimento econômico, um programa de concessões nas áreas de infraestrutura para disparar investimentos privados em portos, rodovias, aeroportos e ferrovias. São armas capitalistas em busca do crescimento perdido.
Fonte: revista “Época”
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