A lentidão da Justiça para concluir os processos de corrupção está entre os fatores que impede o Brasil de reaver o dinheiro enviado ilegalmente para o exterior. É o caso dos recursos desviados dos cofres públicos por um dos maiores esquemas de corrupção montados no estado do Rio, conhecido como o escândalo do propinoduto.
Depois de dez anos sem que a Justiça brasileira conseguisse por um ponto final ao processo, a justiça suíça decidiu que não repatriará o dinheiro para o Brasil. Existe o risco das autoridades do país europeu liberarem o recurso para os correntistas ou incorporarem a quantia ao próprio tesouro. Diante da decisão, o Ministério da Justiça brasileiro tenta negociar com a Suíça a devolução do montante.
Rodrigo Silveirinha, na época subsecretário adjunto de administração tributária, e seus comparsas arrecadaram e mandaram para a Suíça U$ 34 milhões, o equivalente a R$ 77 milhões. O escândalo veio à tona em 2003. Desde então, muitos outros casos de corrupção já ocorreram no país. Se imaginarmos que existe o risco de acontecer o mesmo com os recursos desviados pela máfia do ISS em São Paulo e no mensalão, por exemplo, o problema se agrava.
O procurador do Banco Central (BC) e especialista do Instituto Millenium, Alexandre Magno, aposta na simplificação jurídica como uma das soluções possíveis para resgatar dinheiros desviados por corrupção. Magno fala ainda sobre a sensação de impunidade e recomenda a utilização do sistema Bacenjud, desenvolvido pelo Banco Central, para rastrear e recuperar essas verbas.
Leia:
Instituto Millenium: Falta rigor por parte da Justiça na hora de reaver as verbas desviadas? Por que esses prejuízos continuam sendo admitidos?
Alexandre Magno: No decorrer de um processo judicial, os bens dos acusados podem ser apreendidos. Isso significa que eles não têm mais a disponibilidade desses bens, ou seja, não podem vendê-los, trocá-los ou transferi-los a outra pessoa. Exemplo típico disso é o bloqueio de contas bancárias. A perda da propriedade dos bens, chamada de confisco, somente ocorre com a condenação transitada em julgado.
O problema não é a falta de rigor em reaver as verbas desviadas. É a demora em se chegar ao trânsito em julgado, ou seja, a uma decisão judicial definitiva, contra a qual não caibam mais recursos. O sistema recursal é bastante complexo e permite que o mesmo caso seja julgado por quatro instâncias: juiz, Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Além dessa complexidade, os tribunais são geralmente muito lentos para julgar os recursos. São comuns recursos interpostos há mais de dez anos que ainda não foram julgados. Existe também a tendência de se “esquecer” de um processo depois que ele sai do foco da imprensa. Não é exato dizer que se admitem os prejuízos: mais do que uma admissão, existe uma indiferença.
Imil: Como casos desse tipo contribuem para reforçar a sensação de impunidade?
Magno: A sensação de impunidade é algo cotidianamente experimentado pelo brasileiro. Em casos como esse, mais do que a impunidade, é reforçada a sensação de seletividade do sistema judicial. Mesmo sem entender como funciona o sistema judicial, o brasileiro percebe que não há neutralidade de fato. Réus com boa situação financeira podem contratar advogados capazes de levar o processo até os tribunais superiores, onde poderão “ficar esquecidos” tempo bastante para que qualquer condenação se torne inviável.
Imil: O que pode ser feito para otimizar a recuperação do dinheiro desviado?
Magno: Em casos criminais, é essencial que os processos sejam concluídos em tempo razoável. Isso envolve a simplificação dos procedimentos recursais e maior eficiência administrativa dos órgãos judiciais. Além disso, também é preciso ampliar a cooperação internacional para a repatriação de ativos depositados em bancos estrangeiros. Em nível nacional, é indispensável a atuação mais proativa da Advocacia Geral da União no sentido de providenciar a execução judicial desses valores.
Imil: Alguns réus do mensalão foram incluídos na dívida ativa? Essa é uma punição adequada?
Magno: Alguns réus do mensalão foram condenados a pagar multas. Pela lei, eles terão dez dias para pagar depois do trânsito em julgado da condenação. Se não pagarem, a multa é inscrita em dívida ativa e pode ser executada judicialmente, como qualquer outra dívida que alguém tenha com a União.
A inscrição na dívida ativa não é punição, mas apenas a declaração de que alguém tem uma dívida com a União. Para receber esses valores, pode ser utilizado o sistema Bacenjud, desenvolvido pelo Banco Central, que rastreia qualquer conta que tenha em nome dos condenados e por meio do qual o juiz pode bloquear ou transferir a quantia necessária.
No Comment! Be the first one.