*Felipe Camolesi Modesto
O ensino superior agoniza em seus últimos suspiros, um espelho rachado refletindo apenas fragmentos do seu propósito original. A universidade, outrora templo da busca pelo infinito, sucumbiu à tirania do efêmero. Aquela que nasceu para buscar o universal, reduziu-se a um mero centro de adestramento humano: a separação entre o universal e o particular, o estudo reduzido às exigências mercadológicas, a ideologização, e a pressa da profissionalização antes da formação. Hoje, não formamos mais humanos genuínos e livres; fabricamos ferramentas úteis para um tempo com validade.
Frequentemente as pessoas vão em busca do ensino superior não para serem humanamente verdadeiras e livres, mas para adquirir benefícios profissionais egocêntricos, encerrados em uma margem de tempo cada vez menor e veloz. Quando passa o tempo de validade, é necessário retornar ao centro educacional para se reabilitar às exigências de seu tempo. Não é um estudo que forma humanos, em seu potencial autêntico, capazes de carregar em si mesmos a força que os atira às épocas futuras. Como efeito, o estudo deixou de visar a liberdade do espírito e passou a ser apenas um meio de endossar metas políticas do Estado e das fantasias materialistas pessoais. Um ciclo que não se finda, pois a ansiedade não se encerra.
Ao contrário de ser o espaço de busca do universal em contato com a particularidade de cada ciência, da formação da sensibilidade do espírito humano, da construção do éthos cívico e ecológico, a universidade tornou-se um ginásio escravo do compasso das dívidas. O ensino que deveria ser “superior” – ou seja, livre de atender exigências que não fossem as da própria ciência em ressalte – tornou-se meramente técnico, servo das concupiscências pessoais. A quantidade de pessoas correndo atrás de cursos “superiores” para adquirir aquilo que é da finalidade de cursos “técnicos” revela os últimos suspiros das ciências e artes liberais – se é que ainda estão vivas em algum lugar.
Friedrich Schelling, um dos primeiros a esboçar o programa do Idealismo Alemão, foi um dos grandes críticos da falsa educação moderna (aquela aos moldes que Paulo Freire denominou de “educação bancária”, porém séculos antes). Em sua aula sobre O Método dos Estudos Universitários, de 1802, Schelling defende que a universidade – como o próprio nome diz, universitas – deve buscar o universal em consonância com o particular, sem separações: “na ciência e na arte o particular tem valor apenas na medida em que implica o universal e absoluto. Mas acontece muito frequentemente que a preocupação pela cultura universal seja negligenciada pela preocupação do indivíduo com sua profissão: o estudante tentando se tornar um bom advogado ou médico perde de vista o mais alto propósito de aprender, que é enobrecer sua mente pelo conhecimento”. Assim, os que vão para a universidade em busca de benefícios profissionais e interesses meramente do particular, se confinam em esferas de baixo valor para sua vida ao longo do tempo.
A finalidade da universidade, para o escritor, é, no campo do universal, o verdadeiro treinamento racional – “a única cultura realmente científica”. Isto sendo não um hábito superficial, mas exercício profundo da essência mais interior do homem. Por isso ataca o estudo reduzido a fins particulares profissionais. “O propósito do estudo para o ganha-pão é meramente aprender os resultados de uma ciência. As causas ou princípios são ou inteiramente omitidos ou aprendidos somente por algum motivo alheio, tal como exibir um mínimo conhecimento em exames regulares. […] Estudantes desse tipo buscam conhecimento por motivos exclusivamente utilitários; em outras palavras, eles olham para si mesmos como meros meios. Certamente, ninguém com uma fagulha de autorrespeito tem uma opinião tão baixa sobre si mesmo ao ponto de valorar a ciência puramente como um aparato para alcançar fins materiais”. Além disso, Schelling aponta criticamente contra a educação “mecânica” baseada em memorização.
O filósofo do idealismo alemão defende que os alunos, quando entram na universidade, precisam ser guiados corretamente para não cair em tais erros, especialmente pelo treinamento da criatividade individual de cada um. “Memorizar não é senão uma condição negativa; a verdadeira intussuscepção ou assimilação orgânica é impossível sem a transformação interior daquilo que aprendemos. Todas as regras para estudo podem ser sintetizadas nesta única: aprenda apenas para criar”. E isso acontece porque “somente pela divina capacidade de produção o homem é verdadeiramente homem; sem ela, não é nada mais que uma máquina toleravelmente bem desenhada. Aquele que não tem – com o mesmo alto impulso que o artista traz a imagem de sua alma a partir do material cru – sua própria invenção, aquele que não moldou a imagem de sua ciência em todas as suas partes e características em perfeita harmonia com o arquétipo, não a compreendeu realmente”. Essa perspectiva sobre o ser humano como um ser mortal com partícula divina dentro de si é um ponto frugal na inteira concepção política de educação. Alterando-se a metafísica, mudam-se os projetos e resultados educacionais.
O cinismo do mundo atual, com seu reducionismo do humano a um mero animal, exclui o potencial divino dentro de cada um. E não apenas o elimina, como arroga-se de ser desnecessário. Esse modo de pensar impossibilita qualquer superioridade – isto é, liberdade – no ensino corrente. Como consequência disso, vemos o que Schelling já avisava: (1) o estudante não consegue assimilar o conhecimento profundamente, por não possuir uma visão viva e orgânica da ciência que estuda; (2) o aluno carece de visão e imaginação quando confrontado com problemas particulares; (3) “como a escola não o prepara para todo problema que ele possa encontrar, seu estudo se revela não tendo muito proveito muitas das vezes”; (4) e outro problema de tal estudante é a incapacidade de trazer um avanço no conhecimento, a incapacidade de ir além do que ele estudou. “Assim, ele carece da principal característica que distingue um homem, especialmente o que estuda”. E isso tende a acontecer principalmente quando o aprendizado profissional começa quando a formação ainda não foi completa. Por isso, o filósofo conclui que “no melhor dos casos, um estudante assim chega em algum novo remédio, a uma ou outra teoria nova que gera curiosidade, uma nova fórmula. […] Ele consegue compreender apenas o particular pois apenas o particular consegue ser compreendido – e uma vez aprendido, todas as coisas se tornam um particular”. Está encerrado em um espaço confinado, falta-lhe a visão da realidade total, da busca por si mesmo no universo, para tornar-se maior.
Diante do exposto, é desnecessário sublinhar novamente como o atual sistema educacional brasileiro sufoca os próprios brasileiros. Um sistema que trata o ensino superior como se fosse um ensino técnico, baseia-se na aquisição de pontuações de metas políticas, gratificações para o Estado vangloriar-se em agências internacionais, sem comprometer-se com a real qualidade da formação humana. Isto é, sem preocupar-se em formar humanos, mas máquinas úteis, as quais elas mesmas se iludem que este seja literalmente o ideal do ensino – tornar-se uma ferramenta útil para si e para os outros – tratando a si mesmos como instrumentos para aquisição de bens materiais. Não há o que esperar de um sistema que disseca o intelecto humano, atrofia sua liberdade de espírito, em vez de plantar as sementes e nutrir a terra para florescimento de virtude. Hoje, pensar as futuras gerações nada mais é que repensarmos a nós mesmos, quem somos e qual nossa responsabilidade com o futuro dos brasileiros. Como dizia o efésio Heráclito, “o destino do homem está em seu éthos” (ἦθος ἀνθρώπῳ δαίμων).
Felipe Camolesi Modesto, é líder na União Juventude e Liberdade estadual de São Paulo, vice-presidente da UJLiberdade Sorocaba e estudante de Arquitetura e Urbanismo.