O vulto cavernoso do esqueleto de um urso-polar, embora de figuração, provavelmente ficará como registro visual da fracassada COP15, de onde líderes mundiais voltaram para casa como sequestradores banais da esperança dos povos, em vez de combinar como sequestrar carbono na atmosfera. Por que, então, foram a Copenhague? Ainda se especulará muito sobre isso. É justa a indignação de quem se iludiu na expectativa de um evento histórico. Mas o mundo não acabou.
Nem acabará tão cedo. Antes disso, tenho certeza de que o vexame de ontem se converterá em nobres iniciativas amanhã. Começar perdendo nem sempre é ruim, desde que haja talento, conhecimento e garra para que se possa reagir ao fracasso inicial. Aprendemos que muito mais pode ser feito nos planos local, corporativo, comunitário e até individual. Dessas microiniciativas nascerão as mais inteligentes soluções para o reequilíbrio do ambiente na Terra. Os políticos, desmascarados, devolveram a bola que havíamos passado a eles – só que ela veio completamente quadrada. Como o jogo vai continuar depende de nós, cidadãos, famílias, comunidades, governos locais, pequenas e grandes organizações, e isso ficou bem claro na fala de um ator feito político (talvez por isso mesmo), o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger.
Se você mora em uma casa, comece a pensar e a discutir com sua família as mudanças possíveis, tanto na estrutura da residência quanto nos hábitos de consumo. Levar a conversa para associações de bairro também ajudaria. Se você mora em condomínio, proponha na próxima reunião a adoção de medidas práticas, como coleta seletiva de lixo, controle do gasto de água, criação de áreas verdes no topo e ao redor do edifício ou a avaliação de um sistema de energia solar. Quem está em posição de decisão numa empresa tem um Coeficiente de Contribuição Ecológica (CCE) bem maior e deve saber usá-lo. Comunidades inteiras podem se mobilizar. Imagine se o Rio de Janeiro, sede da Rio 92, assumisse o compromisso de implementar seu balanço ecológico anual, que magnífico exemplo seria dado às demais cidades. Calcular o PIB ambiental de uma cidade ou Estado, com os acréscimos dos danos futuros evitados, mas deduzidas as poluições supervenientes, é também tarefa que depende de outros níveis de atuação, não de Copenhague ou de governos nacionais perambulantes e poluidores.
Por falar em políticos, quero explicar melhor meu vaticínio de que estamos perto de um acordo futuro sobre o clima. O que fracassou não foi a conferência climática, mas a guerra de interesses dos países mais ricos, tendo à frente os Estados Unidos e a Europa. Mais uma vez, a economia e as restrições concorrenciais determinaram o desvio no rumo da conversa. No estado deficitário em que se encontram as principais economias do mundo, enfrentando recessão e competição industrial acirrada da China, da Índia e de outros asiáticos (o Brasil mal entra nessa parada, por enquanto), os ricos preferiram adiar o inevitável compromisso com metas quantitativas e com doações a fundos bilionários. Verdade mesmo é que o poder no mundo está mudando muito rápido e os EUA, especialmente, já não têm orçamento nem conceitos para liderar o resto da humanidade. Eles se reduzem ao papel de enviar tropas a lugares remotos do planeta para empreender guerras de difícil explicação. Em dez anos, só terá restado aos americanos a frente tecnológica (na qual ainda exibem vantagem) para tentar manter sua relevância mundial. E, em dez anos mais, os EUA serão meros colíderes de um importante bloco, concorrente de outros três ou quatro grupos de nações que terão se juntado em torno do tigre chinês, do elefante indiano e do urso europeu. Se trabalhar direito, nosso confuso Brasil, que bem se safou na COP15, poderá se tornar uma onça-pintada regional.
Na tecnologia do uso adequado dos recursos ambientais em latitudes tropicais, preservando a floresta e economizando área agricultável e água, o Brasil poderá dar um exemplo de conservação que calará o falatório de ecochatos e empurrará nosso PIB ambiental a altas taxas de evolução. São meus votos para todos nós, começando já em 2010.
Fonte: Época, 04/01/2010
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