Continuo hoje a série de 12 artigos que pretendo publicar neste espaço, para abordar uma série de questões sobre demografia, procurando compartilhar alguns dos ensinamentos que colhi, lidando ao longo de anos com a temática previdenciária, limítrofe à demografia.
Depois dos artigos anteriores sobre o caráter universal do processo de envelhecimento, sobre a mudança de perfil da sociedade brasileira ao longo das décadas e sobre a relevância da revisão da projeção populacional do IBGE, o tema de hoje é o Censo de 2010.
Para que o leitor tenha uma ideia de como funciona uma estimativa, vale usar o exemplo de uma população de 40 mil pessoas que, por hipótese, fosse sempre a um estádio de futebol. Um grupo de estatísticos pode, com base em técnicas amostrais, fazer pesquisas toda semana acerca da composição desse grupo humano, procurando estimar o percentual de homens e de mulheres, qual é a divisão por faixa etária, a fração desse universo que tem alguma religião, etc. Só quando essas pessoas são entrevistadas uma a uma, porém, é que se tem noção precisa da sua composição.
Por analogia, as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) estão para a população como a citada “pesquisa semanal” está para o universo dos 40 mil torcedores. O IBGE elabora anualmente a PNAD, com base em sólidos critérios amostrais, mas só uma vez por década, por meio dos censos, ele tem noção exata de como se compõe a sociedade brasileira. E, quando isso acontece, há obviamente diferenças entre as projeções para o futuro que tinham sido feitas a partir da PNAD e a realidade constatada no universo censitário.
A tabela mostra a composição brasileira em 2010 de acordo com duas fontes. A primeira é a estimativa para 2010 feita por ocasião da chamada “Revisão 2008”, quando o IBGE (em 2008) divulgou a sua revisão detalhada da projeção da população brasileira de 1980 (dado observado) até 2050 (projeção), com estimativas ano a ano, por gênero (homens x mulheres) e faixa etária. A segunda fonte é o Censo 2010, já com as informações definitivas divulgadas meses depois da realização do Censo, após o processamento de todos os dados.
Embora isso não conste da tabela, não há, na abertura dos dados por gênero, algo que chame a atenção no sentido da diferença entre os dados ser causada pelos homens, de um lado, ou pelas mulheres, por outro. Há, sim, porém – e isso fica claro na tabela – uma diferença crucial na abertura dos dados por faixa etária.
A população efetivamente contada em 2010 nas visitas a todos os lares no Censo revelou um número um pouco inferior, mas não substancialmente, em relação à que se esperava encontrar. Como a população brasileira é expressiva, pequenas diferenças percentuais estão associadas a um número grande de indivíduos, mas o fato é que a população foi apenas 1% inferior à que tinha sido estimada. Onde se nota uma diferença muito grande, porém, é na abertura por idade. A tabela é eloquente a esse respeito.
Normalmente, o problema previdenciário costuma ser associado ao envelhecimento demográfico da população – eu mesmo escrevi muitas vezes sobre isso neste jornal. Há um outro fenômeno, porém, tão importante quanto aquele: a redução da taxa de natalidade. Se as famílias têm cada vez menos filhos, haveria problemas de sustentabilidade financeira da Previdência mesmo que as pessoas não envelhecessem mais do que no passado.
O que o Censo mostrou foi bastante além do que se pensava. Não só esses dois fenômenos – maior envelhecimento e queda da taxa de natalidade – foram empiricamente constatados como – o que tem consequências importantes – eles estão se revelando mais acentuados do que se supunha.
O Censo, portanto, nos disse duas coisas: a) as pessoas estão ficando mais velhas, sim, mas é mais do que isso, a taxa de mortalidade é menor do que a estimada, portanto, a população idosa em 2010 não apenas era maior do que antes, mas revelou-se 7% maior do que a estimada na Projeção 2008 para 2010; e b) as mulheres estão tendo menos filhos, sim, mas é mais do que isso, nascem menos filhos do que se imaginava, portanto, a quantidade de jovens em 2010 não apenas encolheu em relação ao passado, mas mostrou-se 7% inferior do que a estimada na Projeção 2008 para 2010.
O Censo mostrou isso com todas as letras – e ninguém fez nada. Nenhuma autoridade se deu ao trabalho de propor uma mudança das regras de aposentadoria. O mundo inteiro está se ajustando à nova realidade demográfica, enquanto o Brasil continua alheio a tudo. Só me ocorre uma expressão para o peso que a irresponsabilidade da nossa geração deixará como legado para nossos filhos: herança maldita.
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2013
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