Ferramentas essenciais para a fiscalização do poder público, os portais de transparência de municípios e estados brasileiros muitas vezes mais embaralham do que esclarecem a cabeça do cidadão comum. Uma simples busca por respostas claras sobre gastos realizados com dinheiro público – direito sagrado pela Lei de Acesso à Informação – pode se tornar uma aventura hercúlea em sites desatualizados onde faltam organização, dinâmica, padronização e usabilidade.
A Lei Complementar 131/2019 (LC 131) determina que “todos os entes possuem obrigação em liberar ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso ao público”. O problema, porém, é que a forma utilizada para a publicação das informações é tratada de modo subjetivo e demasiado abrangente. O site “Lei da Transparência”, da Confederação Nacional dos Municípios, afirma que “boas práticas de promoção da transparência provam desejáveis a consideração de critérios de boa usabilidade, apresentação didática dos dados e em linguagem cidadã, possibilidade de download do banco de dados e canal de interação com os usuários”. “Apresentação didática” e “linguagem cidadã” são critérios que definitivamente passam longe de grande parte dos portais de todo o país.
A mais recente edição do estudo “Orçamento Aberto”, divulgado em 2018 pelo International Budget Partnership (IBP), mostrou que o Brasil manteve os 77 pontos obtidos no relatório anterior no quesito transparência orçamentária, número que, apesar de nos colocar entre os oitos países mais transparentes do mundo, deve ser avaliado juntamente com dados do mesmo estudo que apontam para uma queda no nível de participação social em questões relacionadas ao orçamento. Ou seja, os dados estão lá, mas por algum motivo não fazem parte do cotidiano cidadão. Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), parceiro do IBP no Brasil, afirmou que o efetivo acesso às informações disponibilizadas por portais de transparência fica restrito ao próprio Estado, ao meio acadêmico e a algumas organizações: “Transparência não garante democracia nem que a corrupção vai acabar. É possível monitorar gastos, ter acesso a dados abertos, mas é um informação que acaba ficando restrita a alguns grupos, e o controle social é prejudicado”, disse ao jornal.
Entre os principais problemas das ferramentas de transparência oferecidas pelos entes federativos, pode-se destacar a frequente inserção dos vencimentos de servidores públicos concursados e não concursados em tabelas comuns, assim como os vencimentos e gastos com políticos eleitos juntamente com funcionários de cargos comissionados, dificultando o entendimento dos gastos com diferentes categorias de servidores. Além disso, a descrição das despesas não oferece clareza sobre as determinadas atividades descritas, dificultando ainda mais a percepção sobre a real necessidade da manutenção de cargos e funções na administração pública. É como se os portais de transparência demandassem “portais de mais transparência” para que os dados disponibilizados sejam compreendidos por quem não é especialista em finanças.
Outro grande problema atrelado à fragilidade dos meios de acesso à informação é o superfaturamento de valores pouco detalhados. Por mais que os gastos sejam publicados, não fica claro para o cidadão se os preços pagos por serviços e produtos estão de acordo com a lógica do mercado ou se até mesmo atendem à legalidade, tornando difíceis avaliações mais criteriosas. O uso das cotas parlamentares no Senado, por exemplo, revelam a opacidade com a qual as informações são publicadas. Em agosto do ano passado, o senador Fernando Collor (PTC-AL) declarou gastos com segurança privada na casa dos R$ 900 mil. Um funcionário, porém, negou que a empresa contratada “Avanço Service” prestasse este tipo de serviço. Conforme revelou reportagem da “Gazeta Online”, “a empresa oferece apoio a condomínios, o que não pode ser pago com a verba dos senadores”.
A segurança de Collor é apenas um exemplo do que poderia ser mais bem fiscalizado caso portais de transparência de todo o país fossem mais transparentes. Quanto dinheiro público seria economizado? Apesar da dificuldade em entender e acessar os dados, a população busca por informações. Na última semana, o portal “Ceará Transparente” noticiou o aumento de acessos vindos de cidades do interior do estado, tendência acompanhada pelo portal da transparência do Estado do Amazonas, que registrou em 2018 aumento de 20% no volume de acessos e consultas em relação a 2017. No Maranhão, o portal de transparência do estado bateu seu recorde em 2018, registrando 2.572.916 acessos.
Os números mostram que existe a vontade de conhecer o destino conferido ao dinheiro público, mesmo com adversidades. Nesse sentido, além de contar com as consultas individuais, organizações da sociedade civil têm contribuindo cada vez mais para dar luz ao orçamento dos municípios e estados brasileiros. Somente o Instituto Operação Política Supervisionada, formado por uma rede de colaboradores voluntários de diversas regiões do país, já contribuiu com uma economia de R$ 6 milhões aos cofres públicos ao ajudar no levantamento de informações indispensáveis nas auditorias realizadas em vários estados. Em 2016, a organização descobriu que o então deputado pernambucano Zeca Cavalcanti (PTB-PE) usava a verba indenizatória da Câmara para alugar o imóvel do próprio sogro, utilizando como escritório de representação política em Arcoverde, seu reduto eleitoral. A iniciativa deu início a um “e-mailzaço” cobrando explicações do parlamentar. Ponto para a sociedade.
São iniciativas como essa, juntamente com o árduo trabalho da imprensa e do cidadão comum, responsável por demandar cada vez mais transparência, que podem contribuir para que os municípios e estados brasileiros, em todas as esferas do poder, saiam definitivamente da escuridão.