A proposta de reforma da Previdência encaminhada ontem ao Congresso dá ao presidente Jair Bolsonaro uma oportunidade dupla, nos campos econômico e político.
No econômico, trata-se de uma reforma mais dura que a proposta pelo governo Michel Temer, depois diluída pelo Congresso Nacional. Em vez de economias da ordem de R$ 800 milhões ao longo de uma década, o projeto prevê R$ 1,1 trilhão, ou até R$ 1,2 trilhão consideradas as propostas para as Forças Armadas, prometidas para até 30 dias.
Trata-se de um número substancial, sujeito porém a duas qualificações. Primeira, a maior parte das economias se concentrará no final da década, à medida que entrarem em vigor as novas regras de aposentadoria.
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Nos primeiros quatro anos, o impacto orçamentário da reforma é estimado em apenas R$ 47 bilhões anuais, valor que contribui, mas é insuficiente para o ajuste fiscal de R$ 270 bilhões esperado para pôr em ordem as finanças nacionais. Embora propalada como solução para as contas públicas, a reforma não passa de um primeiro passo.
A segunda qualificação é óbvia: os humores do Congresso Nacional, que na certa tratará de jogar a água que for possível para atender os grupos de interesse prejudicados, que já começam a fazer pressão. Em especial, o mais óbvio: o funcionalismo.
A maior qualidade da proposta elaborada pela equipe de Paulo Guedes é o rigor com que trata as categorias de funcionários públicos com remuneração mais altas, tradicionais detentoras de privilégios.
Quem ganha menos, tanto no setor público quanto no privado, sofrerá redução nas alíquotas de contribuição. Funcionários públicos que ganham mais, como juízes ou procuradores, terão alíquotas mais altas que no setor privado. Parlamentares também terão de se sujeitar a regras mais duras.
Outra qualidade da reforma é separar os benefícios assistenciais, endurecendo as regras para a aposentadoria rural. A desvinculação do Benefício de Prestação Continuada do salário mínimo antes dos 70 anos alinha o país com as práticas adotadas em todo o mundo para aqueles que nunca contribuíram. Finalmente, a limitação de acúmulo de pensões, aposentadorias e benefícios promete coibir abusos.
Um ponto negativo é a manutenção dos critérios mais brandos para professores, agentes penitenciários e policiais – além, é de esperar, dos militares. Seria possível tirá-los de atividades mais desgastantes sem que necesariamente se aposentassem. A aposentadoria aos 55 anos é um privilégio que não faz sentido para nenhuma categoria.
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Outra deficiência da reforma são os critérios confusos nas regras de transição, que criam situações inusitadas e abrirão margem para discussões intermináveis e improdutivas no Parlamento.
A oportunidade política para Bolsonaro está justamente nas negociações da reforma. Se o governo souber conduzir a agenda, poderá recuperar ao menos parte da imagem queimada nas primeiras semanas, como resultado dos escândalos Queiroz e Bebianno.
Os partidos de oposição já demonstraram ontem que estão dispostos a ajudar Bolsonaro nessa missão. Os ataques à reforma têm flutuado entre o apenas idiota (“Bolsonaro quer criar uma legião de idosos pobres”, escreveu o petista Fernando Haddad) – e o flagrantemente ridículo (o protesto dos parlamentares do PSOL com aventais e laranjas).
Infelizmente para Bolsonaro e Guedes, a maior oposição não virá de gente tão incompetente, tão inepta e tão irresponsável para encarar a maior crise fiscal do país. Virá das corporações de funcionários públicos, que farão de tudo para atacar a reforma. Já fizeram isso com a proposta do governo Michel Temer, disseminando mentiras (“não há déficit da Previdência”) e desqualificando o sacrifício necessário à sociedade como “ataque aos pobres”.
A reforma de Bolsonaro não é a melhor. Mesmo assim, é a possível dentro das circunstâncias políticas. Em vez de diluí-la, como querem os opositores, o Congresso deveria engrossá-la, incluindo os militares e alinhando as condições especiais de aposentadoria de policiais, agentes e professores às demais. Se aprovada, o Brasil terá dado um passo essencial para fora do buraco e para longe do abismo fiscal.
Fonte: “G1”, 21/02/2019