*Por Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli
Em sua coluna de 11/06/2018 neste jornal, Fernando Limongi deu uma mostra de quão distante a população brasileira ainda está de compreender a profundidade do buraco em que o país se encontra. Quando mesmo competentes intelectuais do calibre daquele articulista acreditam que as brandas medidas de ajuste implantadas pelo governo Temer deveriam ter sido suficientes para viabilizar a volta do crescimento, é sinal de que o novo governo terá muita dificuldade em convencer a população a aceitar medidas mais duras necessárias para recolocar o país nos trilhos.
Ao comentar a anêmica retomada do crescimento, referindo-se aos economistas da equipe de Meirelles, Limongi afirmou que “o Dream Team não entregou os resultados prometidos”. Nenhuma palavra sobre a queda da inflação – de 10,7% em 2015 para apenas 2,9% em 2017. Nenhuma referência à inédita redução da taxa de juros incidente sobre a dívida pública de 14,25% para 6,5%, menor valor desde que se tem registro. No mesmo artigo escreveu que “a agenda reformista não encontrou resistências no Congresso e reformas, como a PEC do teto e a reforma trabalhista, foram aprovadas”, deixando de citar a não-reforma da previdência.
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É importante compreender que as reformas aprovadas pelo Congresso, após o impeachment, foram aquelas que tinham custo político relativamente baixo. O Teto de Gastos mal foi entendido pelo grande público, além de ser uma medida que, se efetivamente vier a ser cumprida, só terá impacto no futuro. A reforma trabalhista certamente contrariou profundamente os pelegos dos 17 mil sindicatos, mas já em 2018 trouxe aumento de renda para milhões de trabalhadores celetistas que deixaram de ser extorquidos pelo Imposto Sindical. O fim da TJLP desagradou apenas a Fiesp e seus obsequiosos representantes encastelados no BNDES. A desconstrução do desastroso marco regulatório do pré-sal só incomodou um punhado de nacionalistas estatizantes, bem como cartéis de fornecedores locais. Nenhuma dessas reformas teve ainda impacto significativo sobre a população.
Desde o início do governo Temer, sabia-se que a principal e mais difícil reforma seria a da previdência. Por envolver toda a população, com exceção apenas dos já aposentados, seria a reforma com maior custo político. Não por acaso foi deixada para uma etapa seguinte, quando se previa que a economia já estaria com inflação controlada e emprego em recuperação.
As regras de acesso à aposentadoria brasileiras, de tão generosas, não encontram paralelo no resto do mundo. A aposentadoria por tempo de contribuição beneficia a classe média que se aposenta aos 53 anos de idade em média, após trabalhar com carteira assinada ao longo de toda a vida profissional. Os pobres, por trabalharem intermitentemente no setor informal, aposentam-se por idade, aos 65 (mulheres aos 60) anos. Nada mais aprofundador de desigualdades, mas uma regra vergonhosamente apoiada pelos partidos que se intitulam de esquerda.
Em 2017, o déficit gerado pelos 30 milhões de beneficiários do INSS foi R$ 180 bilhões, enquanto o gerado por apenas um milhão de servidores federais alcançou R$ 80 bilhões, pois as aposentadorias desses últimos são muito superiores às pagas pelo INSS. Devido ao envelhecimento da população, o desequilíbrio tende a se agravar. A reforma da previdência não é um “programa ortodoxo”, mas uma necessidade incontornável. Não haverá retomada do crescimento enquanto o problema não for resolvido.
Após a divulgação da gravação de Joesley, Temer gastou o apoio político que o havia levado ao poder para nele se manter. Consequentemente, a reforma da previdência inviabilizou-se. Sem reforma da previdência, o cumprimento do Teto de Gastos ficou comprometido. Diante do profundo desajuste fiscal, a dívida pública atingiu 77% do PIB e segue em crescimento galopante de 6% do PIB ao ano. Não há empresário disposto a investir e gerar empregos, pois o simples cálculo da rentabilidade do investimento é impossibilitado pela incerteza sobre quanto do futuro ajuste fiscal se fará por meio de maior tributação sobre empresas. O resultado é a estagnação.
A frustração generalizada diante da paralisia da economia gerou o fenômeno de empatia da população pela greve dos caminhoneiros. A greve resultou da conjugação de três fatores: excesso de caminhões provocado pelos empréstimos subsidiados do PSI à taxa de 2,5%, diante de uma inflação de 6,5%; recessão que acarretou queda da demanda por transporte; e correção do preço do diesel de acordo com seu valor internacional. Os três são herança de Dilma Rousseff e seus economistas heterodoxos. Eles conceberam o PSI, provocaram o desequilíbrio fiscal que resultou na maior recessão da história brasileira e endividaram sobremaneira a Petrobras ao conterem os preços de combustíveis para segurar a inflação no ano eleitoral de 2014.
Ao fim de seu artigo, Limongi registra que “os liberais se eximem de culpa e a única solução que enxergam para a saída da crise é a radicalização de seu programa”. Conforme acima exposto, entretanto, o cerne do programa – a reforma da previdência – sequer foi implantado. Não há alternativa heterodoxa capaz de enfrentar essa realidade. Será que os populistas de esquerda e direita que lideram as pesquisas compreenderam o problema?
Fonte: “Valor Econômico”, 20/06/2018