O presidente Lula passou boa parte de seu tempo e gastou um bom número de seus discursos garantindo que não haveria recessão no Brasil.
Houve. A economia brasileira caiu no último trimestre do ano passado, caiu pesado, e voltou a perder produção no primeiro trimestre de 2009.
Somando os dois momentos, o produto brasileiro, em abril deste ano, era algo como 4,5% menor do que o de setembro/08. Para uma economia que vinha crescendo perto dos 6%, é uma queda e tanto.
Volta a bola para o presidente — e não tem problema. Primeiro, atacou os analistas, que “previam uma catástrofe”.
Depois, disse que a coisa não era tão feia como essa gente esperava, de modo que isso caracterizava nada menos que uma vitória de seu governo.
Primeiro, não haveria recessão no Brasil, ao contrário do que ocorria em boa parte do mundo, porque o governo havia preparado o país e estava tomando providências. Agora, a recessão teria sido branda por causa da reação do governo.
Considerando os níveis de popularidade do presidente, confirmados de novo nesta semana, o pessoal comprou seu discurso. Como isso ocorreu? Voltamos aqui ao tema da semana passada, agitação e propaganda, até mais bem ilustrado. Uma prática é formular um bom slogan e repetilo a todo instante.
O primeiro slogan, o da marolinha, não pegou, por razões óbvias. O Brasil seria imune, tese desmentida com a destruição de empregos no final do ano passado, início deste. Mas o segundo está passando: “O Brasil foi o último a entrar na crise e será o primeiro a sair.” O subslogan é uma consequência: a crise no Brasil é menor e mais curta do que em outros países.
Não é verdade. Entre os Brics, o Brasil vai melhor que a Rússia, que sofre os efeitos de ser dependente do petróleo, mas perde em desempenho de China e Índia. Nesses dois países, não houve recessão, mesmo com uma fortíssima desaceleração, e a recuperação sinaliza ser mais rápida.
Como cresciam em nível mais elevado, estavam e estão mais preparados que o Brasil.
Vários outros países têm se saído melhor do que o Brasil, outros, pior.
Mas como poucos brasileiros têm acesso a essa informação comparada, o slogan de Lula prevalece.
Também não é correta a versão de Lula para a “crise curta e breve”.
Diz que o governo reagiu com o PAC. Ora, o PAC é um programa de investimentos, e o que mais caiu nos dois últimos trimestres foram justamente os investimentos.
Repete também o presidente que a crise foi afastada por causa dos gastos públicos, investimentos, explica ele, que movimentaram a economia.
Aproveita para atacar os neoliberais, os brancos de olhos azuis, que seriam contra a ação do governo.
Mas o governo federal gasta muito pouco em obras. No primeiro quadrimestre deste ano, empenhou (formalidade anterior ao gasto) R$ 6,7 bilhões em investimentos. E gastou R$ 68,6 bilhões em Previdência, R$ 49,9 bilhões em pessoal e R$ 45,7 bilhões em custeio.
Exatamente por gastar muito nesses últimos três itens, o governo brasileiro estava pouco preparado para enfrentar a crise. Os gastos que mais aumentam são justamente os de não investimento e aumentam por decisões políticas tomadas antes da crise, como os reajustes salariais do funcionalismo.
Na verdade, esse tipo de gasto não explica o combate à crise, mas explica a popularidade do presidente. O Bolsa Família, os reajustes sempre elevados do salário mínimo (que o governo paga para algo como 18 milhões de pessoas) e as contratações e aumentos do funcionalismo criam uma enorme base de apoio. A estabilidade macroeconômica, ontem consagrada com a taxa básica de juros abaixo dos 10%, faz o resto do serviço.
A vida sem inflação dá votos, como sabem, aliás, Lula e FHC.
É essa estabilidade que explica a resistência da economia brasileira à crise internacional. Trata-se da estabilidade baseada em políticas e instituições construídas antes, no governo FHC, e com a oposição de Lula. Que tenha produzido seus melhores frutos na presidência Lula, com este assumindo a coisa como sua, é uma das melhores ironias de nossa história recente.
(O Globo – 11/06/2009)
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