Desde a Segunda Guerra Mundial, nunca tantos países ao redor do mundo fecharam escolas e universidades ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo. Para se ter uma ideia, no momento em que escrevo este texto, são 138 países com instituições educacionais fechadas, 1,37 bilhões de estudantes fora da escola (representando mais de 3 em cada 4 crianças e jovens em todo o mundo) e 60,2 milhões de professores que não estão lecionando em salas de aula.
A pandemia de covid-19 forçou instituições educacionais em todo o mundo a utilizar repentinamente ferramentas tecnológicas disponíveis há muito tempo para criar conteúdo e experiências de aprendizado remoto para estudantes. Educadores de todas as áreas estão experimentando novas possibilidades de ensinar ― e isso é um grande avanço para um dos setores mais resistentes a mudanças e a adoção de novas tecnologias.
Se até 2020 as salas de aula se pareciam com aquelas do começo do século XX, temos agora a possibilidade de mudar para sempre a noção que temos arraigada de que o aprendizado deve acontecer entre os muros de uma escola ou universidade, ampliando as possibilidades de novas experiências de aprendizagem.
Embora saibamos que o impacto da pandemia será abrangente, o que isso significa a longo prazo para a educação e a forma como nos preparamos para ter uma vida produtiva?
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Aprender habilidades para a vida (e não para uma profissão).
De acordo com um relatório da Dell Technologies, 85% dos trabalhos em 2030 que a Geração Z e Alpha irão ocupar ainda não foram inventados. Qual a melhor maneira de se preparar para um futuro tão incerto?
No livre Range: Why Generalists Triumph in a specialized World (sem tradução para o português), o autor David Epstein traz como visão alternativa a crença de que pessoas que desde muito cedo se dedicam exaustivamente a melhorar em um tema ou habilidade específica podem ter uma desvantagem em relação àquelas que pulverizam seus interesses, práticas e estudos entre vários campos e temas. Num mundo complexo e imprevisível, ele defende que a capacidade de transitar entre vários domínios, transferindo conhecimento de um para o outro, pode ser a melhor maneira de solucionar problemas com os quais nunca nos deparamos.
Generalistas podem ser a solução para um futuro incerto. A pandemia nos ensinou, em poucos meses, o real valor de habilidades como criatividade, comunicação, colaboração, resolução de problemas complexos e adaptabilidade ― todas estas já apontadas há alguns anos como fundamentais para profissionais do futuro, e que agora se mostram fundamentais para a sociedade do presente.
A pandemia também nos ensina o significado de vivermos globalmente interconectados. Não existem mais questões e ações isoladas. O vírus desconhece as fronteiras que vemos nos mapas. Profissionais do futuro precisam ser capazes de entender essa inter-relação e pensar de forma sistêmica, buscando antecipar o impacto de suas ações em múltiplos níveis e contextos.
Para que isso seja possível, as escolas e universidades precisam urgentemente mudar o eixo da aprendizagem baseada em conteúdo e resolução de provas, com punição para quem dá as respostas erradas, para realmente ajudar estudantes a pensar por conta própria, desenvolvendo a capacidade de resolver problemas complexos e dando incentivos para aqueles que erram ao tentar ― afinal, esta é a melhor maneira de aprender.
Quando o mundo todo se torna uma escola
A experiência de estudar online em tempos de quarentena e afastamento social é extremamente atípica e não deve ser entendida como uma base para o que pode ser o futuro da educação. Neste momento, trocamos o confinamento da sala de aula pelo confinamento das nossas casas, aprendendo com os mesmos professores e formatos de aula, só que intermediados por uma tela.
O importante é notar que, aos poucos, nos damos conta de que o aprendizado pode ocorrer fora dos muros da escola ou da universidade, e isto é um grande avanço. Acredito que passados os primeiros meses de adaptação, no qual reproduzimos o mesmo modelo de educação em um contexto extremo, veremos uma explosão de novas soluções que busquem proporcionar jornadas de aprendizagem mais interessantes e integradas com o dia a dia das pessoas.
Além disso, há alguns anos empresas vêm reconsiderando o peso do diploma formal nos processos seletivos e promoções internas, valorizando cada vez mais as habilidades que a pessoa é capaz de demonstrar. Isso coloca na mão de cada profissional a possibilidade de escolher sua forma de aprender, diante de uma miríade de opções para todos os gostos e bolsos. Quando o mundo todo pode se tornar uma escola, temos a possibilidade de ressignificar o espaço da sala de aula.
Diante de um presente distópico, precisamos criar futuros utópicos
O momento que estamos vivendo muitas vezes parece ter saído de um livro de ficção científica. É neste gênero que autores criam cenários extremos, no limite entre fantasia e realidade, e nos deslocam para situações e cenários possíveis, mas pouco prováveis. Algumas vezes, esse lugar imaginário é dominado por opressão e privação, tornando-se uma distopia.
O acaso ou o destino nos colocou neste momento como sujeitos desta distopia, e cabe a nós encontrar uma forma de sair dela. Acredito que é o melhor momento para sermos utópicos e sonharmos o mundo que queremos construir a partir de agora.
Quando se trata de educação, um futuro utópico seria aquele em que todas as pessoas conseguem aprender de acordo com seu ritmo, reconhecendo desde cedo seus talentos e aptidões, com oportunidade de experimentar vários campos do conhecimento.
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Neste futuro, não existe barreira geográfica ou social que impeça as pessoas de aprender, também não existe limitação de infraestrutura – todos dispõem dos mesmos aparatos tecnológicos e da mesma capacidade de conexão com o mundo. Além de acessar conteúdos nos mais variados formatos, inclusive em realidades imersivas e aumentadas, elas podem acessar diretamente milhões de tutores particulares, que podem ajudá-las quando tiverem dúvidas.
Quando elas se deparam com um projeto interessante, podem trabalhar colaborativamente com pessoas do mundo todo, e cada projeto é um estímulo à pesquisa e à experimentação. A barreira do idioma não existe, já que a tradução simultânea acontece em tempo real, em todos os formatos. As pessoas formam comunidades de aprendizagem por interesses comuns, incentivando e desafiando uns aos outros continuamente.
Não é preciso escolher uma profissão específica, nem sequer uma universidade, porque as pessoas fluem de acordo com seu repertório e seus interesses, que mudam constantemente. Quando chegam aos 17 ou 18 anos, já participaram de dezenas de projetos, todos certificados pela blockchain. Nesse futuro, as empresas contratam pessoas avaliando a capacidade de aprendizado e resolução de problemas, ou seja, do que elas podem aprender e não do que elas sabem naquele momento.
Essa história pode continuar de muitas formas. Outras pessoas criarão outros futuros, e esta é a intenção e o convite desta coluna. Hoje sabemos que depois de grandes crises globais, tivemos grandes invenções. O isolamento social vai passar, mas não podemos desperdiçar a oportunidade de mudar a educação para sempre.
Fonte: “Época Negócios”