Como tenho discutido neste espaço, a pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo sobre os indicadores de produtividade. A análise de seu comportamento em 2020 é de grande importância para entendermos como será a retomada do crescimento no pós-pandemia no Brasil e no mundo, assim como suas repercussões no mercado de trabalho e na taxa de inflação.
O Conference Board, benchmark internacional em análises de produtividade, divulgou esta semana a versão mais recente do Total Economy Database, um banco de dados anual com informações sobre PIB, população, emprego, horas trabalhadas e produtividade para uma grande amostra de países.
A partir desta edição, as informações sobre a medida do fator trabalho (emprego e horas trabalhadas) usadas no cálculo de produtividade do Brasil passaram a ser fornecidas pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE.
Na média mundial, a produtividade por hora trabalhada teve crescimento de 4% em 2020. Embora este aumento tenha ocorrido na maior parte dos países, existe uma heterogeneidade significativa em termos de magnitude. Enquanto nas economias avançadas o aumento foi de 1,1%, em economias emergentes e em desenvolvimento ocorreu um crescimento de 5,3%. Na média da América Latina houve um aumento de 10,5%.
Este crescimento generalizado da produtividade por hora trabalhada destoa bastante do padrão observado em anos anteriores e da projeção para 2021. Segundo o Conference Board, a produtividade mundial cresceu apenas 1,4% em 2019 e sua projeção é de queda de -1,5% em 2021. Para o Brasil, as variações são ainda maiores. Após uma queda de 0,8% em 2019 e um salto de 12,2% em 2020, a projeção é de redução de 8,1% em 2021.
Como interpretar esses resultados?
Os primeiros estudos que tentaram antecipar o efeito da pandemia na produtividade enfatizavam dois canais. De um lado, efeitos negativos decorrentes da disrupção das cadeias globais de valor e da queda do investimento. De outro lado, poderiam ocorrer efeitos positivos, como a disseminação de tecnologias de trabalho remoto e digitalização.
À medida em que os dados trimestrais de alguns países, como Brasil, Estados Unidos e Reino Unido, foram sendo divulgados, foi ficando claro que um efeito muito maior na produtividade estava acontecendo devido ao impacto da pandemia no mercado de trabalho e na estrutura setorial da economia.
Em particular, enquanto atividades com maior nível de produtividade, como a indústria de transformação e serviços financeiros, foram menos afetadas, várias atividades com menor produtividade, como restaurantes e hospedagem, foram fortemente atingidas. Além disso, trabalhadores com menor nível de escolaridade tiveram perda maior do emprego, o que resultou em aumento da escolaridade média da população em vários países.
Isso resultou em aumento da produtividade média do trabalho em 2020, especialmente em economias emergentes como o Brasil, nas quais a disparidade de produtividade entre setores e trabalhadores é muito elevada.
O Conference Board também divulga indicadores de produtividade por trabalhador ocupado. Embora a produtividade por trabalhador de modo geral varie na mesma direção da produtividade por hora trabalhada, em 2020 houve uma grande divergência, com queda de 0,9% da produtividade por trabalhador na média mundial.
Isso aconteceu em razão da adoção em vários países de políticas de redução salarial ou suspensão do contrato de trabalho mediante manutenção do emprego. No Brasil, esse mecanismo foi utilizado ano passado e renovado esta semana através do BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda). Em outros países, especialmente da Europa, programas desse tipo também foram utilizados em larga escala.
Em consequência, a queda do emprego em 2020 foi bem menor que a das horas trabalhadas. Na média mundial, enquanto a redução do emprego foi de 2,9%, a queda das horas trabalhadas foi de 7,5%. No Brasil, a população ocupada caiu 7,9%, mas as horas trabalhadas tiveram redução de 14,5%.
Portanto, as políticas de combate aos efeitos da pandemia no mercado de trabalho fizeram com que a produtividade por trabalhador em 2020 se tornasse uma medida inadequada para mensurar a contribuição do trabalho ao processo produtivo. O melhor indicador de modo geral, e particularmente nesta pandemia, é a produtividade por hora trabalhada, que teve aumento generalizado.
Minha avaliação é de que o aumento da produtividade em 2020 no mundo, e no Brasil em particular, foi em grande medida temporário. Embora a aceleração da adoção de novas tecnologias possa ter tido um impacto positivo permanente, sua magnitude provavelmente é bem menor que o crescimento observado em 2020.
Na medida em que os setores de produtividade mais baixa se recuperem ao longo do tempo e os trabalhadores de menor escolaridade retornem ao mercado de trabalho, o Brasil provavelmente retornará ao padrão de baixo crescimento da produtividade que prevalecia antes da pandemia.
Fonte: “Blog do Ibre”, 03/05/2021
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