Frequentemente me questiono que pátria é esta, a nossa, que tanto comemora a democracia de urna, cujos representantes, tão logo diplomados, sairão lhes tomando rendas duramente ganhas, por meio de uma carga tributária de nível alemão que lhe retorna serviços da mais duvidosa competência. Em matéria de impostos, elo fundamental da relação entre o cidadão e a pátria (leia-se, o Estado com emoção e fidelidade) nunca estivemos tão longinquamente afastados de um nível adequado de representação desse cidadão-pagante ao pé do poder instituído, o tal Estado-pedinte-demandante-manipulador. Vamos aos fatos concretos.
Mal encerrada a apuração das “preferências do povo brasileiro”, o Senado federal, por meio de seu presidente José Sarney, trouxe ao conhecimento do público o resultado de uma Comissão do Pacto Federativo, grupo de doutos em matéria fiscal, tributária e financeira pública, por ele formado, sob a coordenação de um brasileiro de vulto, o pluri-ministro Nelson Jobim. A Comissão tinha uma missão: estudar e propor a atualização do modo de relacionamento das três esferas de governo, União federal, estados e municípios, hoje muito esgarçado por críticas e até condenações recíprocas, especialmente pela reclamação de que as verbas dos impostos e contribuições não chegam até o nível local, onde ocorrem as efetivas demandas dos cidadãos. A Comissão, ao que tudo indica, trabalhou duro e, na semana passada, propôs vários anteprojetos, inclusive de emendas à Constituição. Até ai tudo bem, parabéns ao coordenador Jobim e ao seu time de experts. Apenas um detalhe parece ter escapado à maioria dos comissários: os patos do pacto. Os patos somos nós, os que pagamos a conta, seja como trabalhadores, que hoje saímos com descontos diretos de cerca de 23% sobre o salário mensal, mais cerca de 32% de modo indireto, só ai perfazendo mais de metade do salário total, ou como empresários, que absorveremos ou tentaremos repassar a preços finais, uma carga de tributos diretos ou indiretos na média de 30 a 35% sobre o valor das mercadorias ou serviços. Somos os campeões mundiais do escracho tributário.
Paradoxalmente, a douta Comissão não tratou, no pacto federativo por ela proposto, de quem paga o pato, financia a conta do pacto, banca os subsídios dos que por ela deliberam e das novas despesas que pretendem criar para manter “o pacto de estabilidade e tranquilidade política desta República”. A omissão da Comissão do pacto, ao não incluir os “patudos” que pagarão a conta indecente ao final do dia, é a própria cara da nossa democracia de fanfarra. Estamos diante da maior escalada de impostos já realizada num regime dito democrático: numa década e meia, engordamos as três esferas de governo com mais de DEZ pontos de percentagem do PIB sobre o que se tributava ao início do plano Real, quer dizer, em bom português, o poder público acrescentou nada menos do que QUINHENTOS BILHÕES DE REAIS por ano ao que já tomava da população embasbacada e alegre em 1994. E para quê? Alguns doutos membros da Comissão do pacto têm explicado, em artigos publicados aqui e alhures, que esta avalanche de dinheiro assacado à população é para a própria, já que tudo que se arrecada é para cobrir o que os governos gastam. Pois bem: e que tal debater com mais abertura e franqueza o que se despende? Hoje, dependemos de jornalistas corajosos para fazer matérias como a que agora denuncia os bilhões manipulados e jogados fora na tal Bolsa-Familia, como recentemente noticiado. Mas o dispositivo existente na Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu artigo 67, que comanda o funcionamento de um Conselho de Gestão Fiscal, exatamente para prevenir o desmando nos gastos públicos e o exagero truculento da carga tributária, este simples comando jamais foi objeto de regulamentação pelo Congresso. Tampouco lembrou-se a douta Comissão de cobrar essa providência simples ao nosso dedicado presidente do Senado federal e pai da plêiade.
Enquanto não houver posicionamento lógico por parte dos especialistas da nossa Pátria, para sempre pedirem e proporem primeiro o que deve vir primeiro, respeitando e fazendo respeitar quem paga a conta do “pacto”, portanto atribuindo prioridade aos descalabros maiores, antes de tratar dos interesses hierarquicamente subalternos dos que vivem à custa do suor dos pagantes de impostos, nosso direito moral de comemorar a vitória do voto nas urnas melhor ficaria se adiado e suspenso, até que os patos do pacto retomem seu devido lugar na cabeça dos doutos da Pátria.
Fonte: Folha de S. Paulo, 05/11/2012
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