Os índices dos mercados financeiros e das bolsas de valores são indicadores antecedentes da situação econômica no futuro porque expressam os valores projetados dos fluxos de remunerações financeiras (Mercado Financeiro) e dos fluxos futuros dos lucros das empresas que compõem o Ibovespa, ambos trazidos a Valor Presente. A queda dos índices decorreu da mudança dos cenários de parte expressiva da massa crítica que atua nesses mercados (de ações e de títulos de renda fixa), onde o nível de expertise é bastante elevado.
Muito provavelmente, o aumento do risco de sustentabilidade da dívida pública, devido à proposta da PEC da Transição, foi o fator preponderante para a mudança de cenário e consequentes resultados negativos dos dois indicadores (bolsa e renda fixa) nos últimos 10 pregões, de 04 a 18/11/2022. Esclarecendo, a Relação Dívida/PIB de 76%, sendo a maior entre os BRICS e uma das maiores entre os países emergentes, teria, com a PEC, trajetória de alta, a qual, conjugada com juros altíssimos aumentaria o risco de insolvência.
No período citado, o Índice de Renda Fixa caiu 1,5% e o Ibovespa, 8,0 %. Ambos indicam que o descontrole fiscal, expresso pela pedida e concedida licença para gastar R$ 190 bilhões sem a receita correspondente, imporá um período de estagnação ou recessão econômica ao Brasil.
Na mesma direção, as taxas de juros curtas (DI-Over), já absurdamente elevadas, passaram de 13,0% para 14,2% (jan/2024) e de 10,9% para 13,6% (jan 2024); e a Taxa de Câmbio pulou de R$ 5,09/1US$ para R$5,40/1US$. A taxa do overnight, em torno de 13,65%, significa juro real da ordem de 7,5%, inéditos no mundo medianamente organizado. Política de Juros para lá de hawkish, que reduz o patrimônio até dos cidadãos mais pobres (exceto dos que estão no overnight) em tempos de retração da atividade econômica, como provavelmente ocorre neste 4º trimestre de 2022 e, certamente, se manifestará no 1º de 2023, é uma anomalia.
A necessidade da transferência de renda para os brasileiros mais carentes é inquestionável. É preciso definir como pagar a conta, sem isso a PEC da Transição é uma PEC-Abismo. Caso o Legislativo decida pela solução transitória para 2023, e deixe o aprofundamento do tema para a legislatura seguinte, o Cenário muda e os indicadores antecedentes mudam.
Pesquisas de Opinião e Análises Técnicas
Uma confusão que perambula na mente da classe política e da elite intelectual brasileira, sobretudo nas colorações mais fortes do vermelho, é a que se faz a respeito do sentido das pesquisas de opinião sobre a performance de presidentes e governadores. Confundem avaliação subjetiva com análise técnica. Cabe fazer a clivagem.
Avaliações técnicas de gestões públicas passadas e de projetos de governo é um campo, resultados de pesquisas de sentimento é outro. As opiniões dos economistas e os indicadores da massa crítica do Mercado Financeiro estão no campo da técnica, mesmo que se especule com cenários que incorporem projetos da gestão pública, como no caso da PEC da Transição.
Nas avaliações da administração de um governo que termina se aplicam as duas abordagens, a consulta direta à população, objeto das pesquisas de opinião (denominadas também de pesquisas de sentimento), e a aplicação de critérios técnicos que atribuem escores a diversos indicadores de Gestão Pública. A primeira é uma simples opinião, sem qualquer rigor analítico, por isso não se distingue se o sucesso da gestão provém da Virtue ou da Fortuna. A análise técnica trata da Virtue, as pesquisas de sentimento não as separam. Para marcar a diferença, cite-se que a psicologia experimental já constatou que eventos naturais, como uma enchente, afetam os escores de aprovação de gestores públicos, mensurados nas enquetes de opinião.
No caso do aumento das transferências de renda que atingem 1,9% do PIB (quando o Bolsa Família era 0,6%), a expertise da área financeira considerou o consequente aumento da dívida pública por longo tempo altamente prejudicial ao crescimento econômico do País. As declarações do futuro presidente e os movimentos de preços resultantes indicam a reprovação da política econômica subentendida nas palavras de Lula da Silva.
Observe-se que o ex-presidente Lula da Silva, compreensivelmente, mencionou diversas vezes, na campanha eleitoral, sua aprovação de 80%, ao final de seus dois mandatos (2003 a 2010). O percentual é exuberante e indiscutível. No entanto, o futuro presidente precisa entender que se trata de escore de pesquisa de sentimento e não de avaliação objetiva de sua gestão. É importante que seja alertado porque os fatores alheios à sua gestão que contribuíram para o percentual de 80% não se repetirão. Ao contrário, dado o cenário atual para a economia mundial, provavelmente contribuirão com o sinal contrário. As enquetes não descontaram o efeito exógeno no passado, não vão descontar no futuro.
Portanto, a sugestão é que o futuro presidente dê valor às avaliações técnicas da gestão pública e à sinalização sobre o futuro da economia dada pelos mercados de títulos públicos e de ações. Nada reduz a autoridade de Lula da Silva ou diminui-lhe o ideal.
Por sua vez, o uso da palavra especulador, de forma depreciativa, não ajuda. É comum, na duelística política, algumas palavras serem deturpadas, em geral para depreciar o mensageiro ao invés de analisar e combater a mensagem. No caso, atrapalha.
Em prol desse argumento, cabe afirmar que a especulação é da essência humana. Sem o especulador não há o hedger, aquele que procura proteção sobre variações de preços futuros; e não há seguro. É conduta que tem registro histórico na antiguidade grega, onde Thales de Mileto, matemático, filósofo e homem de negócios, criou um contrato de aquisição futura de máquinas de prensar azeitonas e com ele ganhou um bom dinheiro. Teria especulado que a safra de azeitonas seria abundante e a demanda pelas máquinas ia subir dali a sete meses. O contrato era, há 650 anos antes de Cristo, uma autêntica call, uma opção de compra. Diga-se, ao contrário dos operadores do Mercado Financeiro, Thales de Mileto queria apenas demonstrar que os filósofos podiam ganhar dinheiro, se assim quisessem.
Especificamente, quanto aos mercados que indicaram contrariedade com a fala do presidente eleito, são mercados de forte conotação especulativa. A especulação está presente nas bolsas de valores, e pelo menos nesses movimentos de curto prazo são puros jogos de soma zero, onde o ganho de um é a perda de outro. Nada disso diminui a importância dos dois mercados. Em particular, quanto às ações das empresas negociadas em bolsa, sem o mercado secundário não há o mercado primário. E este é fonte essencial de captação de recursos para investimento que expressa crescimento econômico propriamente dito, sem custo financeiro para as empresas. São os denominados IPO’s, que significa colocação inicial de ações no mercado.
Em suma, é melhor compreender o jogo especulativo do que depreciá-lo. Mesmo porque o Presidente Eleito, Lula da Silva, não pode negar ser o exímio especulador que é. Não nos pregões das bolsas de valores, mas na rinha da Política, onde é épico.
Conclusão
Como dito, os indicadores da renda fixa e do mercado de ações são determinados pelo cenário assumido nos modelos. No evento da queda da bolsa e do índice de renda fixa da semana passada, foram determinantes a PEC da Transição e as falas do Presidente Eleito dada a correlação com a história recente da Nova Matriz Econômica que levou o País à recessão de 2014/2016. Portanto, não é especulação fútil.
Como sabemos, as expectativas podem contribuir no desenvolvimento de uma perspectiva favorável para que o brasileiro saia do estado de respiração contida que continua após as eleições. E essa perspectiva é a do crescimento econômico com menos desigualdade.
Nessa perspectiva, a sugestão é que o Governo Lula da Silva assuma que a PEC da Transição seja de fato de transição, apenas para 2023. Essa alternativa, de aprovação fácil, permite concentrar energia para definir meios e formas de tornar as medidas assistencialistas duradouras, mediante a busca dos recursos na redução das despesas inúteis, na redução dos benefícios tributários concedidos a privilegiados e na reforma tributária, incluindo, nesta, o imposto de renda da pessoa física. Em uma palavra, despesas sociais financiadas com receitas orçamentárias regulares. De preferência, orçamento público com superávit primário que permita se antever a reversão da trajetória de crescimento da dívida pública. Ademais, das reformas necessárias à promoção, a médio e longo prazos, do aumento da produtividade e da competição, indispensáveis ao crescimento com estabilidade.