O senador Aécio Neves viveu um pesadelo inesperado. Parado numa blitz no Rio de Janeiro, recusou-se a fazer o teste do bafômetro e foi flagrado com a carteira de habilitação vencida. Em se tratando de um potencial candidato à Presidência da República, a conduta ilegal teve repercussão ruidosa. Poderia dirigir o país um homem que dirige seu próprio carro à margem da lei? O senador mineiro submergiu, afastando-se dos holofotes para tentar aplacar o prejuízo político. Mal sabia ele que estava se preocupando à toa.
Uma semana depois, ficou provado que dirigir com a carteira de habilitação irregular no Brasil não tem o menor problema. Desta vez, a protagonista da bandalha era uma personagem muito especial: Maria Alice Nascimento Souza. Talvez o leitor não esteja ligando o nome à pessoa. Trata-se da diretora-geral da Polícia Rodoviária Federal. Maria Alice, a guardiã da lei nas estradas brasileiras, estava com sua carteira de habilitação suspensa. Como revelou o Fantástico, ela tinha perdido o direito de dirigir pelo acúmulo de infrações cometidas (estacionamento irregular e excesso de velocidade).
Mesmo assim, a diretora-geral da Polícia Rodoviária continuou dirigindo seu carro. Depois da denúncia na TV, resolveu entregar sua carteira ao Detran. Mas continuou dirigindo a Polícia Rodoviária. Numa boa.
Como se vê, Aécio Neves não tem com o que se preocupar. Aliás, nenhum brasileiro em falta com as leis do trânsito tem mais com que se preocupar. Se a autoridade máxima das estradas dribla as regras de direção, por que os motoristas têm de andar na linha? Maria Alice ultrapassou a lei pelo acostamento, foi flagrada no delito, e o que fez o governo federal? Nada. Se a diretora-geral da Polícia Rodoviária faz uma barbeiragem dessas e não tem de entregar o cargo, por que o prezado leitor teria de entregar sua carteira numa blitz qualquer?
A manutenção de Maria Alice à frente da Polícia Rodoviária Federal é mais um marco revolucionário do governo popular. É mais ou menos como se aquele pagodeiro que esbofeteou a esposa fosse convidado para assumir a Secretaria dos Direitos da Mulher. Chega de preconceito.
O Brasil é um país tolerante. A diretora-geral da Polícia Rodoviária está cursando a autoescola para um curso de reciclagem. É o país da piada pronta. Os humoristas vão acabar desempregados. Quem sabe possam arranjar uma boquinha no Detran.
Se a autoridade máxima das estradas dribla as regras de direção, por que os motoristas têm de andar na linha?
O conceito de autoridade no Brasil é muito peculiar. O senador paranaense Roberto Requião arrancou o gravador de um repórter, apagou a entrevista, e a primeira voz em sua defesa foi a de José Sarney: “É uma questão de temperamento”, disse o presidente do Senado. Sarney tem autoridade para falar da relação entre política e imprensa. Acusado de tráfico de influência no Congresso, ele teve a sorte – autoridade tem de ter sorte – de ver a ação de censura prévia ao Estadão cair nas mãos de um desembargador amigo da família. A censura vai completar dois anos e Sarney foi reeleito presidente do Senado. Uma questão de temperamento.
Se uma motorista com a carteira suspensa tem crédito para dirigir a Polícia Rodoviária, um senador que amordaça a imprensa tem crédito para defender um senador que rouba gravador de repórter. Depois de declarar que o ato de Requião “não foi uma agressão à liberdade de imprensa”, Sarney instalou o Conselho de Ética do Senado. Entre seus membros destaca-se o aliado Renan Calheiros, duas vezes processado por quebra de decoro. O julgamento da ética, pelo visto, também será uma questão de temperamento.
Com a volta triunfal do nosso Delúbio ao PT, e o périplo de Lula ao lado de mensaleiros como José Dirceu e João Paulo Cunha para preparar a campanha de 2012, fica consagrada a sentença do ex-presidente em 2005: caixa dois todo mundo faz. Dirigir com carteira suspensa também. Relaxa, Aécio.
Fonte: revista “Época”, 02/05/2011
Por que temos que andar na linha? Porque o comum do povo no brasil (assim mesmo em minúsculas de propósito) responde com a própria liberdade, patrimônio e a vida, pelas irregularidades que comete.
Se os políticos nojentos deste país acham que podem tudo, o dia deles também chegará. E basta à imprensa de dizer que somos tolerantes – pergunte nas ruas: o povo sabe julgar sim e sabe que temos que ter responsabilidades, ainda que o péssimo exemplo venha de cima.
Esqueceu de dizer que o jovem senador estava bêbado e se recusou a criar provas contra si. Nada a ver com carteira vencida de funcionário público não eleito e que não cogita ser presidente. Já o Requião entra na roda para misturar tudo e defender o senador. Misturar tudo pra não dizer nada é técnica antiga do jornalismo capacho. E, claro, que o pagodeiro negro que esbofeteou a mulher é diferente do senador branco que tb esbofeteou a modelo, segundo o Juca Kfouri.