A democracia está em xeque. Alguns podem ter lido cheque e não deixarão de ter certa razão. Sim, nossa política está vendida; o dinheiro — geralmente sujo e ilícito — se tornou mais importante que o voto. Quanta ironia. Durante anos lutamos para ter o direito de escolhermos nossos representantes e, quando obtido, não temos mais candidatos minimamente decentes ao exercício digno da vida pública responsável. É claro que ainda existem alguns poucos nomes honestos; estão ali altivos e ainda nos enchem de esperanças; uma pena que hoje vivam mais nos livros do que nos parlamentos. E, assim, o Brasil afunda progressivamente no lodo da decadência política.
Ora, vivemos em um mundo extremamente complexo e queremos que uma turma de gente tacanha nos apresente as soluções. Não tem como; a lógica não fecha. Os políticos que estão aí não resolverão os nossos problemas. Ilustrativamente, estamos querendo que charlatões curem uma infecção generalizada; embora possa usar jaleco branco, a charlatanice tem os naturais limites da ignorância e dos despreparo; pode até assoprar a ferida, mas a dor não irá passar. Ou seja, não adianta insistir com o zoológico de canalhas que contaminam a dignidade do Brasil.
Na verdade, a política atual não se deu conta de como está exposta e vulnerável. Olha-se para o hoje com a mentalidade do ontem, tornando impossível a construção de pontes para o futuro. Objetivamente, os sistemas de poder tiveram no monopólio da força o mais importante mecanismo de contenção das primitivas energias de revolta popular. Acontece que a situação é tão caótica que se o povo marchar contra os palácios é possível que encontre policiais e militares na multidão dos que cansaram de ser enganados. Logo, o poder não está mais tão poderoso como em tempos de outrora.
Portanto, de duas, uma: ou o Brasil muda ou será mudado pela força dos acontecimentos. Como democrata, sempre acreditei na política, embora a política nem sempre acredite na democracia. É justamente esse conflito de interesses que impõe aos bons cidadãos o inarredável dever de participar ativamente da vida pública de nosso país. Quem apenas aceita as linhas do destino está condenado a ser um eterno escravo das circunstâncias. Até quando, então, aceitaremos o reinado da corrupção desbragada?
Fonte: “Zero hora”, 3 de abril de 2017.
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