Há uma frase atribuída a Mussolini, muito citada quando se discutem questões associadas à governabilidade: “ Governare l’Italia non é facile ne difficile: è inutile” . A frase voltou a ser lembrada nos últimos tempos e mais de um analista entende que hoje se aplica a parte considerável das democracias, enredadas num turbilhão de conflitos envolvendo um componente de grande polarização, graus variados de fragmentação da representação partidária, perda de representatividade dos partidos e a proliferação de haters nas redes sociais. Não é de estranhar que, nesse ambiente, se consolidem alternativas de um mosaico diferenciado de regimes autoritários, indo desde o já consolidado poder do Partido Comunista na China até o regime aparentemente vitalício de Putin na Rússia, passando por casos menores como o de Erdogan na Turquia.
Nesse sentido, a economia brasileira se encontra numa situação difícil. Não somos nem uma democracia com poucos partidos — como os EUA — na qual, apesar de alguns problemas, o sistema continua sendo funcional, o país segue seu rumo, e a economia se mantém em expansão, nem parece haver a menor chance de vingar algo sequer vagamente assemelhado à figura de um “ditador inspirado” capaz de assumir o leme do país. Para o mal ou para o bem — pessoalmente, não tenho dúvidas que para o bem —, somos uma democracia. Complexa, com coisas que não funcionam ou funcionam muito mal, mas uma democracia enfim.
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Numa conversa pessoal, contemplando o panorama eleitoral, um amigo me dizia, em 2018: “O Brasil precisa de um presidente da República que tenha quatro requisitos. Ele tem que ser ao mesmo tempo reformista, inspirador, agregador e articulador”. Sintetizo, repetindo as palavras dele, o que escutei na ocasião desse meu amigo, com alguma liberdade editorial da minha parte:
“Reformista, porque é tão grande a quantidade de leis e dispositivos constitucionais que é necessário modificar no Brasil, que sem implantar uma série de reformas — e não apenas a previdenciária — será difícil imaginar um retorno pujante do crescimento econômico.
Inspirador, porque ele deve ser uma figura para a qual o país inteiro — e não apenas os seus seguidores — olhe e veja um exemplo a ser seguido, que inspire cada indivíduo a encarar com tenacidade as dificuldades a enfrentar.
Agregador, porque ele precisa ser um líder que permita levar para o governo algumas das melhores expressões da vida nacional, nos campos não só da economia, mas da ciência, da educação, da diplomacia, da política etc.
Articulador, porque no quadro de extrema fragmentação partidária do país, com aproximadamente 30 partidos com representação no Congresso, a característica forma parte da job prescription do cargo, uma vez que, sem coordenar esforços com as lideranças parlamentares, a relação entre o Poder Executivo e o Congresso fica muito comprometida e a aprovação das propostas oficiais ao longo de quatro anos se torna muito mais difícil”.
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Entendo que a combinação desses pontos é chave para analisar as perspectivas futuras da economia brasileira. O casal que depois de dois anos de casamento gostaria de comprar um apartamento; o dono de um restaurante que deu certo e está pensando em abrir uma filial; a grande empresa multinacional que cogita fazer um investimento de US$ 300 milhões, olham para o futuro e se perguntam: como estarão o emprego e a economia daqui a um ou dois anos? E isso está umbilicalmente ligado à questão política: ter um ambiente propício a decisões que envolvem risco implica ter alguma previsibilidade, o que está associado a percepções subjetivas de questões tais como “tranquilidade” e “normalidade” do país. Se teremos um ano ruim seguido de três bons ou quatro anos de crescimento medíocre dependerá da avaliação que os agentes econômicos — que investem — e a população em geral — que consome — fizerem sobre essas questões. “Articulação política” é o nome do jogo para a macroeconomia dar certo.
Fonte: “O Globo”, 02/07/2019