O populismo, mais do que uma ideologia, é uma síndrome política que nasce e se nutre da desconfiança e do ataque às instituições democráticas. No campo penal, o populismo dá vazão aos instintos mais primitivos de vingança, em detrimento de políticas de combate à criminalidade racionais, pautadas em evidências e condicionadas pelos princípios do Estado de Direito. Aos populistas o que importa é demonstrar que o exercício da violência pelo Estado não se encontra constrangido pela lei, especialmente pelos direitos daqueles definidos como inimigos, que devem e podem ser abatidos.
Nestes últimos 30 anos o sistema democrático brasileiro não foi capaz de reformar suas instituições de segurança e aplicação da lei de forma a atender as necessidades de pacificação de nossa sociedade.
Mesmo os governos mais comprometidos com os princípios do Estado de Direito, tanto no âmbito federal como dos estados, capitularam face aos interesses corporativos; isso para não falar de governantes que simplesmente se alinharam aos interesses do crime. O resultado foi o crescimento de uma criminalidade cada vez mais violenta.
Ao invés de enveredar pelo caminho mais trabalhoso e efetivo da reforma, modernização, qualificação e profissionalização do sistema de Justiça e segurança, temos testemunhado uma nova onda despudorada e tosca de populismo penal.
Em São Paulo, o governador não apenas estimula a polícia a mandar para o cemitério quem resista à prisão, mesmo que rendidos, assim como vetou a lei que estabelecia um mecanismo de prevenção da tortura, aprovado pela Assembleia Legislativa, como brilhantemente denunciado pelo ex-ministro José Carlos Dias, em artigo publicado nesta Folha, em 14 de fevereiro de 2019.
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Na mesma linha, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão oficial instituído pela lei 12.847 de 2013, divulgou nota em que informa estar sendo impedido de exercer suas funções pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
No Rio de Janeiro, a política de abate propugnada pelo governador Wilson Witzel (PSC) durante a campanha pode ter inspirado a ação policial no morro do Fallet, levando à eliminação de 13 jovens suspeitos de envolvimento com o tráfico.
Conforme salienta Pedro Strozemberg, ouvidor da Defensoria do Estado, há fortes indícios de excessos. De acordo com o relato de moradores, muitas mortes foram precedidas de tortura e mutilações.
Apesar de o caso estar sob investigação tanto do Ministério Público como da Polícia Civil, o governador-juiz do Rio já sentenciou que “foi uma ação legítima da polícia para combater narcoterroristas”.
Mesmo o recente pacote anticrime apresentado pelo Ministério da Justiça, que tem vários méritos no que se refere ao combate à corrupção, não resistiu às forças do populismo. Flexibilizou temerariamente as regras de exclusão de ilicitude, o que certamente incentivará maus policiais, assim como “pessoas de bem”, agora legalmente armadas, a fazer uso preventivo e desproporcional da legítima defesa, se acometidas de “surpresa ou violenta emoção”.
É preciso ter clareza que o populismo penal, além de inefetivo, quando extremado, pode estimular o crime. Alberto Fujimori, expressão maior do populismo penal, hoje se encontra preso por crimes contra a humanidade. Prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/02/2019