O que se convencionou chamar de debate político no Brasil tem de tudo menos política. Tem retórica vazia, ideias utópicas, análises inadequadas. Vigora a ausência de conteúdo e de substância teórica. Talvez porque aqui nem a política formal pode ser considerada política. É, quando muito, sua imitação vulgar.
A nossa política formal é como produto falsificado na China, incluindo o elemento socialista travestido de economia de mercado. Sim, os políticos e partidos políticos brasileiros são falsificações grosseiras daquilo que poderiam ser. Daquelas que apresentam defeito tão logo são usadas. A política brasileira é como uma bolsa falsificada da Chanel que é tratada pelos analistas como se verdadeira fosse. E isso ajuda a entender o abismo que hoje existe entre a sociedade e os políticos e comentaristas.
Os políticos escolheram representar a sua própria degradação, que é a decadência de parte da sociedade brasileira, parcela esta constituída por intelectuais e intelligentsia que escolheram ser a voz pública e privada desse aviltamento.
Sendo pais e filhos dessa decadência, não têm capacidade para reconhecê-la, apenas para manifestá-la porque elemento estrutural de suas próprias consciências. A discussão dos valores e princípios que estruturam a nossa sociedade e fundamentam a nossa realidade é por eles ignorada. Esses valores são esquecidos por ignorância ou porque são uma ameaça à ideologia que fundamenta as suas atividades profissionais.
Cada vez mais se fala de uma suposta criminalização da política pela sociedade. É mais um erro de avaliação. Não é a sociedade que o tem feito; são, primeiro, os políticos que converteram a política numa espécie de PCC; depois, os analistas que, de tanto lamentarem algo inexistente, acabam por criar a falsa impressão de que a maioria dos brasileiros pensa como eles.
Quando um cidadão, diante de cada revelação escabrosa da Lava Jato, reage afirmando que “político é tudo igual”, que “todos são bandidos”, não está falando da política, mas da conduta dos políticos envolvidos no crime. O que fazem os comentaristas? Extraem dessa posição reativa uma falsa conclusão para a partir dela expor uma crítica contra uma opinião que a sociedade não compartilha.
Falei do abismo que divide a sociedade e os políticos para dizer que, ao contrário do que fazem parecer, o cânion existente entre nós, brasileiros, e a política está cada vez menor. O processo de amadurecimento tem sido doloroso, mas necessário. A política virou assunto do dia a dia e a conversa não mais se restringe aos escândalos do momento.
Para o bem e para o mal, as discussões ideológicas integram hoje a pauta e as redes sociais permitem que as pessoas pressionem diretamente os políticos e suas representações partidárias. Socialistas e comunistas, que durante décadas definiram a agenda e as regras do debate público com a eficaz colaboração dos militantes na imprensa, estão atordoados porque não mais contam com um objeto identificável para atacar. E nem estão intelectualmente preparados para a divergência.
Essa falta de preparo, a redução da realidade à ideologia e a incapacidade de compreender o atual momento histórico para explicá-lo fizeram com que também se estabelecesse um abismo entre uma parcela cada vez mais numerosa da sociedade e os intelectuais e a intelligentsia com (ainda) alguma voz nos jornais, revistas e TV. E quanto maior o distanciamento, mais cresce a busca por conteúdo independente.
Ao contrário do que a maioria de nós pensa, a sociedade brasileira melhora gradualmente e, por isso, não mais se vê representada na política nem no debate público. Se quisermos ter um país melhor, chegou o momento de ocupar esses espaços de vácuo representativo e intelectual com valores, retidão, dignidade e ideias políticas e econômicas adequadas. E que os empresários tenham finalmente coragem para financiar e apoiar o trabalho de todos aqueles que representam esse capital cultural virtuoso. Estamos fartos de gente covarde que não dá a mínima para o país onde vive e investe dinheiro naquilo que temos de pior.
Fonte: “Gazeta do povo”, 24 de abril de 2017.
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