Todo ano a Mostra Internacional de São Paulo traz um panorama do cinema mundial. Como frequentador assíduo do Festival, sou levado a dizer que parece haver um cansaço de temas, pouca invenção e narrativas que tentam ser modernas demais.
Há, sim, os cineastas que sempre merecem ser vistos. Eduardo Coutinho, por exemplo, trouxe mais um de seus documentários inesquecíveis, dessa vez sobre o poder das canções nas memórias individuais.
Mas numa mostra do cinema contemporâneo há espaço também para o antigo. E esse antigo sempre vale ser revisto, principalmente quando se trata de dois cineastas que retrataram tão bem a micropolítica americana, como foram Elia Kazan e ainda o é com Martin Scorsese.
Deste último só se tem um filme, mas talvez seu segundo mais marcante depois de Touro Indomável. Trata-se de Taxi Driver, um filme que joga luz sobre os dilemas da política americana atual.
Numa década de 70 em que Nova York parecia o retrato do caos, o personagem de Robert De Niro é um taxista que tenta levar sua vida pacatamente, mas, como num espectro russoniano, o meio acaba por transformá-lo. É o cidadão comum que acaba tentando fazer justiça ele mesmo.
No meio dessa alegoria nova-iorquina há uma cena que nos remete ao próprio drama americano de hoje. Em certo momento, um candidato a presidente nos Estados Unidos acaba pegando o táxi de De Niro.
Ao ser perguntado o que achar ser sua maior preocupação, aquilo que deveria ser mudado imediatamente no país, o taxista solta sua preocupação com o ambiente degradado à sua volta, a delinquência associada às drogas e por ai vai. E isso tudo para grande surpresa do candidato, como se os problemas vizinhos ao cidadão comum fossem algo a ser resolvido pela prefeitura e não em Washington.
Na década de 70, havia um grande descontentamento com a política, afinal, foi a época da renúncia de Nixon e das crises que levaram à estagflação na economia americana. Assim, a cena era um retrato do descasamento entre os desejos do homem comum e do político.
Não que o maior tema para o candidato no filme fosse irrelevante, no caso a previdência, um tema recorrente aliás, mas os temas relevantes para o indivíduo são o que o aflige naquele momento ao seu redor.
Essa dicotomia muito escancarada entre população e política costuma ser maior ainda em épocas de crise, como agora. A briga política entre republicanos e democratas, que no final resvala a quem vai ser eleito no ano que vem, está impedindo que ações concretas e eficientes sejam focadas no cidadão comum.
No caso, não é mais a violência e degradação da década de 70, mas o desemprego, que se encontra em sua pior situação desde a Grande Depressão de 30. A situação duradoura de crise vai minando as forças do indivíduo. No caso de Taxi Driver levou a um excesso de violência, no padrão Scorsese. No caso atual, pode levar o desejo de se buscar o tão almejado sonho americano a se perder.
Ainda parece distante o momento em que Washington apareça com soluções concretas para o desemprego, tanto quanto parece difícil antever um novo Scorsese ou Elia Kazan na praça.
Fonte: Brasil Econômico, 31/10/2011
No Comment! Be the first one.