Se as eleições municipais de 2012 não servissem para mais nada, já teriam um caráter pedagógico inestimável. Elas serviram para mostrar que até as presidências encolhem. Em países republicanos e principalmente, presidencialistas, esta é a figura máxima do governo. Merecedor de termos pomposos e importantes como “comandante em chefe” e “primeiro magistrado”, o presidente da República deve ser antes de tudo um símbolo da união nacional, da força que a representatividade confere ao regime democrático.
A Presidência é perene, enquanto seu ocupante, não. Como muitos políticos gostam de dizer em seus ataques de falsa modéstia, ninguém “é” presidente, a pessoa apenas “está” presidente. Daí a importância da liturgia do cargo, da compostura no seu exercício, do exemplo que deve ser dado por aquele cidadão que mereceu a honra e a responsabilidade de conduzir por um período de tempo os destinos de todos os seus demais compatriotas.
É claro que o presidente tem o seu partido político, afinal, foi por ele e através dele que se tornou presidente, mas passadas as eleições, cabe ao ocupante deste cargo fazer o que nos Estados Unidos chamam de “reach across the aisle”, que basicamente quer dizer trabalhar junto com a oposição dentro do melhor respeito e cooperação possíveis.
Um regime democrático que se preze é formado por governo e oposição. Ser um opositor não é torcer para o país afundar, não é desejar o mal de quem está no governo, não é ser “do contra”, é uma obrigação moral daqueles que não conseguiram convencer a maioria do eleitorado de que suas propostas eram as melhores para o país. Fiscalizar, propor mudanças de rumo e tentar construir uma maioria para o futuro é normal. Essa alternância de poder é o oxigênio que permite que o regime democrático viva e se renove constantemente.
Por isso, dentre todas funções de um presidente, “extirpar a oposição” não é uma delas. Garantir que seu partido tome conta de todas as instâncias em todas as esferas de poder, sufocando qualquer divergência, também não é. Pensar que a Presidência da República é uma espécie de trabalho com carteira assinada onde se cumpre um expediente de 8:00 às 18:00 e depois podemos tirar folga brincando de cabo eleitoral ou chefe de facção então nem pensar, isso não é mesmo o papel de um presidente.
No entanto em 2010 já observamos esse comportamento, quando aquele que deveria ser o “primeiro magistrado da nação” usou toda a força e a máquina do Governo Federal para influir na sua sucessão e, passado o tal “período de expediente”, tirava a roupa de chefe da nação e subia em palanques para, com olho injetado, berrar que iria “varrer a oposição do mapa”.
Vamos fingir que não ocorreu a cooptação de uma “base aliada” em troca de verbas e outras práticas que já foram até condenadas pelo STF e nos concentrar apenas neste tipo de comportamento que encolhe a Presidência pelo simples fato de não se encaixar em qualquer definição que uma democracia possa conceber para esta função.
Imaginem se em 2000, o presidente Clinton subisse em um palanque para dizer que o então governador George W. Bush era “inimigo do povo” e que precisava ser “derrotado a qualquer custo”. Creio que a democracia mais sólida do mundo não seria reconhecida como tal caso fosse concebível que um presidente agisse dessa forma. É claro que o “comandante em chefe” pode fazer campanha pelo seu preferido, pedir votos, argumentar sobre como aquela proposta é melhor para a continuidade do que vem sendo feito, mas ofender adversários? Dizer que quando termina o expediente ele “não é mais presidente” e faz o que quiser? Uma coisa assim seria algo inconcebível.
Só que não para por aí. A Presidência tem como efeito direto a produção de ex-presidentes. Como se comportar depois que deixa o cargo é também uma arte e um exercício de democracia tão grande quanto é exercê-lo. No Brasil, o longo período de regime militar nos fez conviver basicamente com ex-generais, o último deles chegando a pedir solenemente que o esquecessem. Logo após tivemos um presidente que morreu antes de entrar no cargo, um que saiu tão impopular que não poderia opinar sobre nada mesmo que quisesse, um que sofreu um processo de impeachment, outro que depois virou governador de Minas Gerais e sempre foi conhecido por suas atitudes meio heterodoxas, o presidente Fernando Henrique que declarou estar se sentido promovido a cidadão novamente ao sair do cargo e, finalmente, o ex-presidente Lula.
Não desenvolvemos uma tradição que diga como um ex-presidente deva se comportar, ainda que em leis não escritas, em códigos apenas percebidos, em atitudes naturais de quem já teve um privilégio para poucos, afinal, somente 36 brasileiros já tiveram essa oportunidade.
O que me leva novamente a pensar em nosso grande vizinho do norte e em considerar que talvez se espelhar no comportamento dos ex-presidentes de lá – o presidente George W. Bush se recolheu em respeitoso silêncio desde que saiu da Casa Branca, mesmo sendo atacado pelos democratas sempre que houvesse uma oportunidade – e aplicar esse comportamento aqui seria altamente saudável para a nossa democracia.
Afinal, alguém consegue imaginar o presidente Clinton ou o presidente Reagan num palanque aos berros dizendo que vão “morder a canela dos adversários” por causa da disputa pela prefeitura de Austin, Little Rock ou Boston?
É simplesmente inimaginável.
Voltando então às eleições municipais de 2012, o que vemos aqui no Brasil é a atual presidente subindo em palanques para bater boca com políticos locais em Belo Horizonte, emitindo notas oficiais para responder a artigos de jornal e a juízes da Suprema Corte, além de um ex-presidente indo em cidades como Manaus e Salvador dizer que seus desafetos “não gostam de pobre”. Uma luta não por projetos de país, por modelos de sociedade, mas para “esmagar” quem ousa fazer oposição ao oficialismo de ocasião.
Esse tipo de prática, essa campanha eleitoral eterna, ao contrário de significar uma democracia vibrante como pode parecer à primeira vista, apenas escancara o fato de, como bons sul-americanos que somos, ainda termos essa tendência ao caudilhismo, ao personalismo e a não saber respeitar os limites que o Estado de Direito nos impõe.
Por tudo isso infelizmente nossa Presidência encolheu.
Só nos resta torcer para que o tempo e o amadurecimento de nossa República possam dar a ela a estatura que merece outra vez.
Ótimo texto!
O artigo escrito por Marco, é o espelho da situação política brasileira tanto para situação como para oposição, e, todos deveriam todo dia se olhar no espelho e refletir, QUEM SOU EU, O QUE ESTOU FAZENDO PELO MEU PAIS E BRASILEIROS. ATUALMENTE VIVEMOS UMA DITADURA INVISIVEL E CARA DE PAU.Isso é para os que se dizem políticos. Mas nós somos cordeirinhos.
FHC pode fazer campanha e comprar a emenda da reeleicao. Voces liberais sao bitolados demais. Obama, Sarkozy, todos candidatos sempre vao para o Rua fazer política, aqui virou tabu porque a presidenta é popular e é de esquerda. Se fosse qualquer boneco neoliberal voces diriam que tinha que ter feito mais campanha ao inves de menos.