O novo governo tem corretamente enfatizado a necessidade de aumentar os investimentos em infraestrutura. Essa preocupação resulta de esse ser um gargalo cada vez maior ao nosso crescimento econômico, mas também de que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 dependem, para serem bem sucedidas, de melhorias substanciais na infraestrutura de transportes, o que explica o senso de urgência dado à expansão da capacidade aeroportuária.
A prioridade dada à infraestrutura não é nova: todos os governos nos últimos 60 anos enfatizaram essa questão, nos últimos trinta com pouco resultado. Em especial, o investimento em infraestrutura, que na década de 1970 foi de 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB), caiu para 2,3% do PIB nos anos 1990 e apenas 2,1% em 2001-06. Mapeamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mostra que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não alterou esse quadro: de fato, essa taxa caiu para pouco menos de 2% em 2005-08 e, pelos projetos planejados para 2010-13, pode continuar não superando, na falta de algum fato novo, o patamar de 2% do PIB no atual mandato presidencial.
Essa falta de investimento faz com que a oferta de serviços de infraestrutura não acompanhe a demanda e nem permita fechar lacunas históricas, como no saneamento. No caso dos aeroportos, em especial, as expansões ocorridas na última década foram insuficientes para fazer frente a uma alta média anual de 9% no fluxo de passageiros, motivada pelo aumento e melhor distribuição da renda, o acesso ao crédito e a queda das tarifas, esta causada pela liberalização regulatória e a apreciação do real. No saneamento, só 63% dos domicílios urbanos do Brasil tinham acesso a esses serviços em 2009, sendo que no Nordeste essa proporção era de apenas 37%.
Sem dúvida, a grande inovação na infraestrutura brasileira nas últimas décadas foi a privatização, especialmente a empreendida no governo FHC. É a privatização que explica porque nossa infraestrutura não está ainda pior e porque há menos problemas em setores como telecomunicações, energia elétrica, ferrovias e em algumas das principais estradas do país. Em telecomunicações, por exemplo, o país investiu 0,73% do PIB em 2001-06, contra 0,80% do PIB em 1971-80. Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes mostra que 55% das rodovias privatizadas são consideradas ótimas, contra apenas 7% das públicas. Após a privatização, a proporção de acidentes nas ferrovias caiu 80%.
Faz sentido, portanto, que o novo governo pretenda privatizar os principais aeroportos, processo iniciado no governo Lula com a proposta de conceder ao setor privado a exploração do novo aeroporto de Natal (São Gonçalo do Amarante). Será um teste do interesse privado nesse tipo de empreendimento, pois o aeroporto ainda tem de ser construído.
Por outro lado, é uma ótima oportunidade para uma empresa colocar o pé no setor e ganhar uma vantagem competitiva em futuras privatizações. Também pode ser um caso emblemático na fixação da regulação que deve prevalecer no setor, incluindo tarifas, participação de empresas aéreas e liberdade para exploração de serviços acessórios, ainda que a situação seja diferente da de grandes aeroportos como Cumbica e Galeão.
A iniciativa de dar novo dinamismo à privatização da infraestrutura levanta três questões. Primeiro, essa medida reflete apenas o receio do governo de não conseguir realizar diretamente, e nos prazos acertados, as obras prometidas à FIFA e ao Comitê Olímpico Internacional, e o recurso à privatização é apenas uma solução de emergência? Será uma pena se assim for, pois o Brasil pode ganhar muito com a continuidade das privatizações de rodovias, iniciadas por FHC e continuadas por Lula.
Segundo, haverá um esforço paralelo de fortalecer o aparato regulatório, entendido de forma ampla, para maximizar o impacto da privatização sobre os investimentos? Estudo recente da ABDIB (Agenda da Infraestrutura 2011-14) lista vários problemas nessa área, da conhecida demora na análise de licenças ambientais à judicialização de decisões, passando pelo enfraquecimento das agências reguladoras, com alto contingenciamento de verbas e a demora na indicação de diretores.
Terceiro, irá o governo elevar seus próprios investimentos em áreas com forte impacto social, mas pequeno retorno comercial, onde deveriam ser alocados os recursos tributários? Serão esses recursos disponibilizados não apenas em escala adequada, mas também com regularidade, de forma a evitar interrupções nas obras? O estudo da ABDIB mostra que problemas no fluxo orçamentário financeiro são de longe a principal causa de obras inacabadas no país.
Nas últimas eleições se deu outra vez uma conotação ideológica à privatização que conflita com os fatos e retira graus de liberdade na solução de nossos problemas. Tomara que a proposta de privatizar os aeroportos marque o início de uma nova relação com essa política, que tantos benefícios nos trouxe até aqui.
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2011
Excelente! Faz todo sentido mesmo! Demorou!
e o que será feito com os empregados?