Ao longo da minha vida, que já vai se tornando longa, sem sair do Rio Grande, com os meus olhos vi algumas coisas inesquecíveis, a maior enchente do século, a maior seca (sem falar em grandes enchentes e secas intermediárias), bem como a mais prolongada chuvarada de verão; todos esses fenômenos resultaram de decretos da natureza, neles não intervindo a vontade humana. Segundo dados conhecidos, algumas previsões têm sido feitas, a produção do trigo já finda e a do arroz ainda não iniciada sofreram prejuízo irreparável, de R$ 1 bilhão, diz-se, enquanto do milho e da soja prometem resultados benéficos. A natureza distribuiu vantagens e desvantagens, mas os produtores favorecidos não são necessariamente os desvalidos, de modo que pode haver danos irresgatáveis para uns e outros.
Já em termos nacionais, e a despeito dos efeitos diretos e indiretos da crise internacional e de impressionantes enchentes lá e cá, os resultados previstos do agronegócio são lisonjeiros. Fontes idôneas afiançam que a safra nacional de grãos será a segunda maior da história, da ordem de 143 milhões de toneladas. Tanto mais importante quanto o bom sucesso se deve ao agricultor e só a ele; guiado por seu faro e competência, refez, mutatis mutandis, a epopeia dos bandeirantes. O imenso trabalho realizado, subindo do Rio Grande do Sul para o oeste de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, cruzando mesmo o equinócio e chegando ao extremo norte, dobrando para o Maranhão e descendo ao Tocantins e oeste da Bahia, o agricultor foi incorporando ao fluxo da vida criadora paragens até então dormentes; pois agora ele se encontra esgoelado pelo seu próprio êxito; faltam estradas, armazéns, silos, ferrovias e… portos; tanto o Ministério da Agricultura como a Confederação Nacional da Agricultura noticiam que a fronteira agrícola deixa de produzir 3 milhões de toneladas. Lembro que depois de ter sido “descoberto” o Mato Grosso e convertido em formidável tesouro, vencendo a lama, tinha de esfolar-se para chegar a Santos, Paranaguá ou São Francisco; hoje o que é produzido no Maranhão e no Tocantins, cujo caminho era obviamente o porto de Itaqui, tem de atravessar o Brasil para chegar àqueles portos, porque Itaqui deveria ter aumentada sua capacidade portuária de 2 para 13 milhões de toneladas, mas seu projeto de ampliação anda a passo de tartaruga. Quem paga é o produtor e quem sofre é a nação.
A despeito de tudo isso, e da queda do valor dos produtos exportados, como é notório, e não é desprezível, US$ 10 bilhões em números redondos, o superávit comercial do agronegócio ainda será o principal responsável pela sustentação das nossas contas externas. Sem embargo da alta benemerência do agronegócio, e quem sabe por isso mesmo, não cessa a hostilidade, ora latente, ora descoberta, que lhe votam determinados setores oficiais. Quem tenha dúvidas recorra ao “Anexo” atrelado ao PNDH- Programa Nacional de Direitos Humanos, que o Presidente da República insiste em declarar imutável.
Em verdade, o governo federal proclama as maravilhas do PAC, em que gasta muito verbo e pouca verba, sem enfrentar este problema de tamanha magnitude e urgência.
(“Zero Hora” – 15/02/2010)
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