É uma verdade eterna da política brasileira: políticos defenderão quanto puderem o interesse das corporações que os elegeram. Quando, em fevereiro, o governo enviou ao Congresso sua proposta de reforma da Previdência, ficaram de fora os militares. Ontem ficou claro por quê.
O motivo é o óbvio, aquele que todos imaginavam: as Forças Armadas foram privilegiadas na proposta de mudança. Para compensar novas regras de aposentadoria que representam economias de R$ 97 bilhões em dez anos, receberam de brinde uma “reestruturação da carreira”, que custará R$ 87 bilhões ao país.
O saldo, R$ 10,5 bilhões em dez anos (mais R$ 52 bilhões levando em conta as economias nos estados), é ridículo perto do custo das aposentadorias e pensões militares aos cofres públicos. O governo transfere algo como R$ 8 mil anuais para cobrir o rombo gerado por um único beneficiário do INSS e R$ 60 mil para o rombo de cada servidor federal. O rombo de um militar custa R$ 114 mil ao ano.
Em 2017, o militar aposentado recebeu em média R$ 11,5 mil ao mês – ante R$ 2 mil mensais concedidos ao aposentado por tempo de contribuição no INSS, R$ 1,2 mil ao aposentado por idade, R$ 1 mil ao aposentado rural, R$ 935 a quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e R$ 10,1 mil ao servidor público aposentado.
Por mais que a carreira militar tenha suas singularidades – como o governo fez questão de exibir em sua apresentação –, a discrepância não justifica o tratamento generoso concedido na proposta de reforma. Os pontos positivos (maior tempo de serviço, em linha com o padrão internacional, e alta na alíquota de contribuição) não compensam os privilégios concedidos.
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Não à toa, a proposta do governo foi recebida com escárnio no Congresso Nacional. Em vez de ter sido elaborada por técnicos do Ministério da Economia, ela veio de dentro do próprio Ministério da Defesa. A presença maciça de militares neste governo (mais de um terço dos ministérios e cargos de confiança) permitiu que eles próprios assumissem o protagonismo nas mudanças que os afetam.
Críticas vieram de todos os lados – e não só da oposição. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, principal articulador da reforma no Congresso, e até o líder do governo, Delegado Waldir, se manifestaram contra. A consequência é óbvia: as demais corporações que se julgam prejudicadas exigirão a mesma colher de chá dada aos militares e, no final, as economias ficarão muito aquém do almejado.
O resultado prático do envio da proposta sobre os militares também é óbvio: dificultar ainda mais a tramitação de um projeto já em si difícil e impopular, que ainda não conta com o apoio de três quintos dos deputados e senadores, necessário para sua aprovação. Em vez de conquistar aliados para a Previdência, a proposta de ontem os afasta.
Com sua popularidade despencando – a avaliação positiva do governo caiu 15 pontos percentuais desde janeiro, segundo o Ibope –, Bolsonaro se vê sem nenhuma ponte eficaz com o Congresso.
O grau de indefinição dos congressistas é grande. Mesmo excluindo as mudanças no BPC e na aposentadoria rural, o apoio à reforma mal soma 180 dos 513 votos na Câmara. Quase 230 se dizem indecisos. Parecem à espera de mudanças substanciais ou de saber o que receberão em troca.
Sairá nesta semana o relator do projeto que irá a votação na Câmara, provavelmente o deputado Eduardo Cury (PSDB-SP). Não se sabe que tipo de alteração ele fará no projeto enviado, nem se cederá às pressões inevitáveis de todas as corporações que querem ser poupadas.
Um fato é inequívoco: se a popularidade de Bolsonaro continuar a cair, a receptividade ao texto do governo cairá junto. Cairá o interesse de políticos em atrelar o próprio nome a um tema impopular, capitaneado por um presidente impopular. Nesse caso, a reforma provavelmente naufragará, lançando o governo numa crise sem paralelo.
Para evitar o pior, a saída é a articulação política veloz, profissional e eficaz. É preciso ser rápido. Não há tempo a perder com novos tropeços como a lamentável proposta apresentada para os militares.
Fonte: “G1”