O inquérito envolvendo o presidente da República e o ex-ministro Sergio Moro traz à baila importante debate constitucional sobre os limites do sigilo estatal em democracias políticas. Como argumento defensivo à impedir a ampla divulgação de vídeo relativo à reunião ministerial, o primeiro mandatário da nação alegou a existência de assuntos sensíveis e estratégicos, ligados à proteção da soberania nacional. Por sua vez, o ex-ministro da Justiça argumentou que os fatos são de inegável interesse público, inexistindo, a seu sentir, razões jurídicas que justifiquem o segredo do ato.
Pois bem. Como ponto de partida, importante destacar que a Democracia faz da publicidade a regra e, o sigilo, a exceção. Tanto é verdade que o caráter público dos atos de “qualquer dos Poderes” configura princípio fundante expresso da Administração estatal (art. 37, CF). Todavia, no exercício responsável de suas funções políticas, pode e cabe ao Presidente decretar sigilo sobre assuntos decisivos aos negócios do governo, à luz, naturalmente, da legalidade em todas as suas formas. Ou seja, o sigilo dos assuntos de poder não é e jamais será uma espécie de blindagem a interesses escusos nem ocultação de posturas antirrepublicanas.
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Por assim ser, se o Presidente, do alto de sua função executiva, tem liberdade e autonomia para decretar sigilo sobre determinados atos excepcionais, deve declinar, quando legitimamente questionado, os motivos político-jurídicos que informam a necessidade quebra da publicidade geral. E, aqui, um detalhe importante: tais motivos presidenciais devem ser categórica e constitucionalmente fundamentados, não podendo, jamais, serem subvertidos por bravatas retóricas para as torcidas de rede social.
A seriedade e responsabilidade na decretação de sigilo oficial há de ser, portanto, absoluta. Frisa-se que, quanto ao ponto, não existe espaço para soluções de improviso, pois a República elege a objetividade da lei como critério de contenção dos abusos de poder, venham de onde vierem. Aliás, se “todo o poder emana do povo” (art. 1°, CF), é porque ética pública não pode ser subjugada a interesses passageiros de poderosos ou de maiorias políticas eventuais.
O Supremo já decidiu que “a regra geral num Estado Republicano é a da total transparência no acesso a documentos públicos, sendo o sigilo a exceção” (j. 04.03.2015). Se o caso atual versa sobre a regra geral ou não, caberá à alta prudência ponderada da Suprema Corte decidir e fazer valer a inegociável normatividade constitucional.