Autoridades do governo federal, num acesso de saudosismo, querem voltar a um estadismo característico da época do Muro de Berlim A QUEDA DO Muro de Berlim, em 1989, é um marco na história da humanidade. Representou grande vitória da liberdade: liberdade econômica e liberdade política.
Propiciou a substituição de regimes autoritários e de economia centralmente planificada por regimes democráticos de economia de mercado.
Essa nova realidade gerou um clima de generalizada euforia e, por parte de muitos, a expectativa de que a combinação de liberdade política com liberdade econômica fosse capaz de promover tanto acelerado progresso material, ou seja, crescimento econômico, como uma justa distribuição dos frutos dessa maior produção, ou seja, justiça social.
Vinte anos passados, verifica-se que essa expectativa era demasiadamente otimista. Apesar de sensíveis avanços obtidos em termos de liberdade política e de liberdade econômica, os resultados institucionais e materiais ficaram bem aquém do esperado. A implementação de regimes democráticos sofreu vários percalços e, infelizmente, ainda vigoram, em diversos países, elevada corrupção, práticas autoritárias e restrições à plena liberdade de manifestação.
Ao mesmo tempo, os resultados econômicos não são satisfatórios, especialmente em termos de uma justa repartição da renda. Esses dois fatos estão interligados.
O bom funcionamento de uma economia de mercado requer um quadro institucional democrático e regras justas, que sejam obedecidas por todos, propiciando assim a necessária segurança jurídica e confiança para que as transações econômicas e, em especial, os investimentos se realizem de forma eficiente. E, para isso, é indispensável uma cultura democrática, que, infelizmente, não se constrói da noite para o dia. Ela é fruto de anos de convivência com as liberdades básicas e de respeito às instituições democráticas. Paul Krugman, corretamente, aponta a falta de cultura democrática como um importante fator para o fraco desempenho econômico das nações do Leste Europeu nos primeiros anos da conversão de suas economias para o regime de mercado. No Brasil, a Constituição Federal, promulgada em 1988, foi redigida antes da queda do Muro de Berlim e do colapso dos regimes comunistas de planejamento central da Europa e, por isso, ainda sob a influência da experiência socialista soviética. Mas essa influência não foi preponderante a ponto de os parlamentares do PT, Lula incluído, terem se recusado a assiná-la por considerarem o texto muito privatista e pouco socialista.
Mesmo assim, os novos ventos da liberdade que sopraram no país tiveram consequências positivas, e muito do excesso estatizante e xenófobo ainda remanescente na Constituição foi retirado, sempre com a feroz oposição do PT e com envergonhada relutância de expressiva parcela do PSDB.
Essas mudanças viabilizaram importantes reformas estruturais e a modernização do Estado brasileiro, com a transformação do papel do setor público de produtor de bens e serviços para regulador da atividade econômica, e muito contribuíram para o sucesso do Plano Real.
Ao mesmo tempo, a liberdade política no Brasil, reconquistada depois de anos de regime militar autoritário, conseguiu superar difíceis momentos, como a morte de Tancredo e o impeachment de Collor, ganhou força no dia a dia da vida nacional e se consolidou, criando profundas raízes nas instituições brasileiras.
Foram a construção e a consolidação dessa combinação de democracia com economia de mercado e estabilidade de preços, obtidas por meio do esforço persistente de muitos, que colocaram o Brasil em novo patamar de reconhecimento internacional e propiciaram elevadas perspectivas de crescimento econômico. O Brasil hoje é visto como um país que deu certo.
Surpreendentemente, porém, autoridades do governo federal que até pouco tempo atrás fizeram parte desse esforço, ainda que o criticassem quando eram oposição, têm pregado a descontinuidade dessa política. Em vez de reconhecerem que o sucesso atual da economia brasileira é fruto da permanência ao longo de décadas de políticas econômicas democráticas, querem, em um acesso de saudosismo, mudar as regras do jogo e voltar a um passado de estadismo e xenofobia característico do período do Muro de Berlim.
Caso essa recente tendência não seja revertida, correremos o risco de voltar a ser o permanente país do futuro que nunca chega e de nos identificarmos como uma clássica republiqueta sul-americana.
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