A importância da eleição presidencial brasileira vai além das fronteiras nacionais. As sérias e graves pulsões da geopolítica mundial indicam o transitar de uma nova dinâmica de poder, com novos players soberanos e corporativos (em especial as Big Techs), a ensejar redesenho estrutural de alianças estratégicas e de parcerias comerciais, acarretando impacto profundo nas lógicas econômicas internacionais. A tragédia do ontem – materializada na pandemia de covid-19 – expôs a frágil dependência ocidental à hegemonia industrial chinesa, tensionando a relação entre Washington e Pequim em arranjo sem conformação final definida, mas cujo desfecho passa necessariamente pelos desdobramentos de vetores da questão em Taiwan. Por sua vez, a eclosão da guerra na Ucrânia e as insuficiências diplomáticas no entabulamento de soluções céleres expuseram o bloco europeu a consideráveis riscos econômicos e energéticos na antevéspera da chegado do inverno; e, paralelamente, os movimentos bélicos de Putin fazem ressurgir ventos de ameaça nuclear, reacendendo ameaças de destruição total, hibernadas desde o tempo da guerra fria.
Na torrente dos acontecimentos, vemos a América Latina submergir em perigoso retrocesso socializante, pautado por ideias econômicas erradas, atrasadas e que jamais deram certo em lugar algum. Aliás, o discurso socialista demagógico e mentiroso redundou regularmente nas piores tiranias. O incrível e não menos impressionante é que as recentes eleições na Argentina, no Chile, na Colômbia, no México, no Peru, entre outras nações próximas, vieram a consagrar governos de dirigismo estatal e pouco apreço à liberdade de mercado. Ou seja, Estados falidos e politicamente destruídos pelo parasitismo, pela corrupção e ineficiência – ao invés dos antídotos liberais de saneamento das contas públicas, investimento em produtividade latu sensu e redução estatal em favor do ímpeto empreendedor privado – estão a insistir em fórmulas puídas de tresloucado gasto fiscal irresponsável, com suas trágicas consequências inflacionárias e hipoteca do futuro das gerações vindouras.
Neste cenário internacional conturbado, a eleição presidencial no Brasil atrai, naturalmente, o interesse dos donos do mundo. Afinal, num ambiente global volátil e de instabilidade crônica, o surgir de um player referencial na América Latina, adepto às regras de mercado e à livre-iniciativa, com razoável capacidade industrial instalada, um setor de serviços pujante, um sistema financeiro consolidado e com boas práticas de governança, um setor primário extraordinário e com meios de produção agrícola capazes de alimentar o mundo, com água potável e disponível em larga escala, com a Amazônia e seu simbolismo ambiental e, fundamentalmente, um povo sedento por oportunidades de acesso à prosperidade, enfim, tudo isso que o Brasil é e representa, pode ser um autêntico game changer nas lógicas do poder global. Todavia, a ascensão brasileira aos grandes jogos internacionais pode traduzir risco imediato para muitos. Assim, diante da possibilidade real de um país próspero e com firme pretensão de protagonismo, pode-se optar pela continuidade de um modelo latino-americano de atraso, subdesenvolvimento, pobreza social e cooptação de lideranças corruptas.
Sem cortinas, no plano interno, a erosão institucional da República não deixa de ser um caminho das republiquetas. A insensatez, o desmando e a provocação revelam traços de fraqueza. Por assim ser, o entrechoque agudo, frontal e desrespeitoso dos poderes públicos pode ser tudo, menos institucionalmente alto, digno e construtivo. Ora, democracia pressupõe decência comportamental, trazendo consigo imperativos de civilidade, bons modos e autocontenção nas lides do poder. Em tempo, há mais de 120 anos, a saberia superior de Rui Barbosa ensinava ao País que “motim não é democracia; a celeuma não é o Parlamento; a rua não é o País; o incêndio não é razão; o crime não é o direito; o assassínio não é a justiça; a anarquia não és tu, ó Liberdade”. Logo, é preciso compostura. Não será trocando ofensas ou agressões que resolveremos os problemas do Brasil. Até mesmo porque as injunções do poder são sempre transitórias e, não raro, o mando de hoje pode ser o jugo de amanhã. Autoridade não é autoritarismo. E República não é personalismo de poder.
Na linha do horizonte, as oportunidades postas ao Brasil são inúmeras e variadas. Resta saber se seguiremos a rota de retrocesso político ou o caminho virtuoso do aperfeiçoamento institucional. Com entendimento, elevando o dever de bem servir a Nação, com respeito à legalidade, à separação de Poderes e firme garantia do regime das liberdades públicas e privadas, é possível colocar nosso país em posição proeminente e de liderança global. Para tanto, não podemos ser pequenos nem mesquinhos. É hora de olhar para a frente. É hora de compor soluções. É hora de unir o País. É hora da dignidade que toca, da honestidade que fica, da ação decidida que faz e move o mundo. É hora, portanto, de os autênticos liberais assumirem sua responsabilidade histórica com a democracia no Brasil.
Mas a quem interessa um país iliberal? Com certeza, a muitos, menos aos brasileiros.
*Sebastião Ventura para o ESTADÃO.