Desde o mês passado, a agenda de reformas começou a avançar, com a aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico. Esta semana, o governo enviou ao Congresso sua proposta de reforma tributária (PL 3887/2020).
A essência da proposta consiste na criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS/PASEP e a Cofins. Não se trata de uma reforma trivial, tanto que vem sido discutida no Executivo federal desde 2015. Existem vários pontos positivos na proposta.
Em primeiro lugar, a CBS é um imposto sobre valor adicionado (IVA), com uma alíquota única de 12%. Este é o regime utilizado por grande parte dos países desenvolvidos e tem várias vantagens, como transparência, simplicidade e desoneração do investimento e das exportações. Na medida em que não incide sobre os insumos adquiridos por uma empresa, o IVA elimina os incentivos para decisões ineficientes de verticalização. O sistema proposto de crédito financeiro também elimina muitas controvérsias sobre o tipo de insumo que pode ser considerado para efeito de cálculo do valor adicionado, reduzindo a insegurança jurídica.
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Além disso, a proposta elimina mais de uma centena de regimes especiais. A enorme complexidade desse conjunto de regras para determinados produtos e setores resulta em grande judicialização, com consequências negativas para a atividade econômica.
Outro aspecto importante da reforma é a eliminação da chamada cobrança “por dentro”, que consiste na inclusão do próprio tributo e de outros impostos na sua base de cálculo. Esse mecanismo de tributação é alvo de grande contencioso judicial, já que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins e muitas ações na Justiça questionam a inclusão do ISS nesta base de cálculo.
Passando dos pontos positivos para os problemas com a proposta, uma crítica praticamente unânime dos especialistas é de que a alíquota de 12% é muito elevada. Atualmente, a alíquota conjunta do PIS/Cofins é de 9,25% para as empresas que estão no regime de lucro real. O governo tem argumentado que a elevação da alíquota se deve ao fim da cobrança “por dentro” e à ampliação dos créditos que poderão ser utilizados. Além disso, a CBS incidirá sobre a receita bruta e não mais sobre todas as receitas, sendo excluídas receitas não operacionais, como dividendos, rendimentos de aplicações financeiras e juros sobre capital próprio. Este é um aspecto técnico que pode ser ajustado ao longo da tramitação, mas existem outros pontos que podem ser de solução mais difícil.
A crítica mais forte veio do setor de serviços, que é muito intensivo em trabalho e pouco em insumos intermediários, não se beneficiando tanto da possibilidade de uso de créditos financeiros. Atualmente este segmento está no regime cumulativo, que não permite o abatimento de créditos na aquisição de insumos e tem alíquota de 3,65%.
Esta reação do setor de serviços não representa uma surpresa e presumivelmente foi uma das principais razões para a longa demora no envio da proposta ao Congresso. O governo alega que grande parte das empresas do setor não será prejudicada por dois motivos. O primeiro é que, se estiverem situadas em segmentos intermediários da cadeia produtiva, serão beneficiadas indiretamente pelo fato de que as empresas para as quais fornecem serviços poderão abater os impostos sobre essa aquisição, o que por sua vez aumentará a demanda. O segundo argumento é de que a maior parte das empresas do setor de serviços é de pequeno porte e integra o regime especial do Simples, que não foi afetado pela proposta.
Isso remete a uma grande limitação da proposta, que é a preservação dos maiores regimes tributários especiais do país, o Simples e a Zona Franca de Manaus. Como já tive oportunidade de discutir neste espaço, existem várias evidências de que o Simples não foi efetivo no sentido de gerar formalização, além de representar a maior renúncia tributária. Já a Zona Franca de Manaus, criada no final da década de 1960, tem sido prorrogada sucessivamente sem qualquer evidência de sucesso.
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Em resumo, a proposta do governo representa um avanço, mas é insuficiente diante da disfuncionalidade atual do sistema tributário. Minha avaliação é de que teria sido melhor se o governo tivesse desde o início contribuído para o aprimoramento da PEC 45, que se encontra em tramitação na Câmara e cria um IVA nacional, incluindo também o IPI, ICMS e ISS.
Caso houvesse um impasse em torno desta PEC, a unificação do PIS/Cofins poderia ser uma solução de compromisso, mas reduzir de imediato o escopo da reforma não parece recomendável nem necessário. De fato, a Comissão Mista criada pelo Congresso para analisar a proposta de IVA nacional deve retomar os trabalhos no final do mês. A tradicional resistência dos estados também parece ser bem menor atualmente, expressa na adesão do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) à inclusão do ICMS na reforma.
Embora não tenha sido provavelmente a melhor opção de reforma, é importante que o governo tenha assumido a iniciativa de enviar uma proposta ao Congresso. Diante da lenta recuperação que se anuncia no pós-pandemia, a retomada da agenda de reformas é fundamental.
Fonte: “Blog do IBRE”, 27/07/2020