Convido o leitor a uma “viagem” pelo setor elétrico brasileiro, mostrando que, mesmo nesse segmento onde o Brasil tem óbvias vantagens, dominam os nossos típicos improvisos e incoerências. Como personagem principal, o nosso benjamim, esse adaptador de tomadas que tem seu nome ligado a Benjamim Franklin, um dos pioneiros da eletricidade e que, certamente, nada tem a ver com o artefato. Seja o próprio ou como metáfora, o benjamim domina o nosso setor.
O Brasil fez uma rígida reforma nas suas tomadas exigindo um padrão “mais seguro”, objetivo que não deve ser criticado. O erro foi a forma afobada da mudança, como se estivéssemos perante uma epidemia de choques elétricos. Adotamos conectores embutidos e até um terceiro pino para aterramento, que, por enquanto, vai gerar o “pino nada”, pois a maioria das residências não tem a fiação necessária para essa função. Para o júbilo dos fabricantes e irritação dos consumidores, implantou-se um design incompatível com todos os modelos existentes, e, de repente, nos vimos obrigados a comprar adaptadores e benjamins para “darmos um jeito”, o que nos deixa na mesma situação anterior.
Nos postes de distribuição, são comuns os emaranhados de fios, mesmo em bairros de classe alta. Em ligações elétricas, como nos benjamins, qualquer contacto ou dimensionamento mal feito gera perdas por calor. Portanto, não se trata apenas de estética e segurança, pois alguns kWh’s ficam por ali. Nesses “novelos” pode haver o “gato”, mas, como a energia roubada ou perdida é cobrada de quem paga a fatura, o assunto fica em segundo plano. No Brasil, fora os apagões, mais de 15% dos kWh’s ficam pelo caminho. Uma redução de perdas significaria mais eficiência, segurança e tarifas menores. Mas o recente desconto foi meramente contábil e nem aquele atabalhoado rigor que se viu nas tomadas se vê nos postes.
Nosso sistema de transmissão tem um papel integrador muito mais amplo que as redes de outros países, pois leva grandes quantidades de energia de uma região para outra, reorganizando o estoque dos reservatórios. Não há similar no mundo. Com essa função, imagina-se um sistema o mais homogêneo, compatível e monitorado possível, pois qualquer anomalia pode causar interrupções de grande porte. Mas, surpresa! A nossa rede tem múltiplos donos. Por exemplo, a subestação Colinas no Tocantins abriga nada mais nada menos do que linhas de seis diferentes empresas, com equipamentos, tecnologia e equipes desiguais! Vejam a semelhança da inconsistência de padrões, pois é como se fossem “benjamins” de alta tensão.
Enfim, chegamos às usinas. Para reduzir tarifas, abdicando de qualquer aumento de eficiência no mundo real, a opção das autoridades foi a de impor mágicos descontos, um festival de “benjamins” na contabilidade do setor. Se valesse o que está registrado, alguma redução seria possível, mas não no nível prometido. Tal qual o adaptador de tomadas, uma nova contabilidade “deu um jeito”, resultando numa redução de 70% na receita da Eletrobras.
Já ultrapassamos a fase de lamentar a sequela na estatal, que definha sem cerimônia admitindo perda de R$ 1 milhão por hora. Trata-se de lembrar que, em qualquer país, o regime que garante a redução de tarifas via amortização é o de serviço pelo custo. Era o que valia no Brasil até 1995 e, se não tivesse proporcionado modicidade, a tarifa de então não seria a metade da atual em termos reais. Mas, seguindo a moda da década, ele foi banido pela lei 8987/95 que implantou o modelo de “mercado”, onde o preço nada tem a ver com estágio de amortização. Ora, se o governo está assustado com o encarecimento, porque o manteve na sua “reforma” de 2004? Agora, como na troca das tomadas, numa súbita “meia volta, volver” perante um consumidor que entende cada vez menos o que ocorre, o “benjamim” contábil faz os dois regulamentos, de princípios distintos, repartirem o mesmo sistema, mais um ineditismo brasileiro.
Sob a filosofia do “benjamim metafórico”, as empresas passam a ser meras “empreiteiras” de operação e manutenção (O&M), perdendo a iniciativa de investir, pois, qualquer despesa que não for classificada como tal terá que ser autorizada pela Aneel. Por outro lado, com um orçamento voltado para seu “umbigo”, a usina também deixa de participar da vida da empresa, que, tendo uma inserção na sociedade, não se limita a gerar e transmitir energia. Figurativamente, é como se as usinas fossem “benjamins” nas empresas.
Usinas não são como tomadas e não precisam ser trocadas porque duram muito. Mas, para que a vida útil se estenda e ela fique como nova, as concessionárias têm que manter investimentos. Ora, se a amortização insuficiente faz o lucro extrapolar, ou se geram recursos para construir novas usinas ou a tarifa é reduzida. É assim em sistemas de matriz semelhante, onde antigas hidrelétricas são “velhas senhoras”, mas não sofrem a “laqueadura” que a política adotada vai impor. As nossas “velhas senhoras” nunca vão gerar “novas meninas”.
O que é grave nisso tudo é o modo adaptado e improvisado com que se fazem as políticas públicas no país. O benjamim é um ícone do nosso setor, pois tal e qual a mudança brusca das tomadas, quando os consumidores “se viram” com adaptadores, um artifício contábil também “dá um jeito” para nos convencer que o setor ficou mais eficiente e mais barato.
A eletricidade brasileira, além de cara, tem o suprimento arriscado. Como último sintoma de que a situação não é tranquila, além das térmicas à toda, as bandeiras tarifárias vêm insinuar que o consumidor é culpado pelo esvaziamento dos reservatórios.
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2013
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