A agricultura é hoje responsável por 24% do total de emissões de gases de efeito estufa no mundo. Para o presidente global da divisão agrícola da Bayer, Liam Condon, entretanto, o setor pode ser parte da solução quando o tema é mudança climática. Segundo o executivo da multinacional alemã, com práticas mais sustentáveis, a agricultura pode servir como um setor a sequestrar carbono no solo. O incentivo a isso é econômico: com as certificações corretas, os agricultores poderiam vender créditos de carbono e aumentar sua receita.
Outra frente em que a Bayer aposta é na inovação para aumentar a produtividade das lavouras. Assim, defende Liam, os agricultores não precisam expandir a área plantada. Nesse quesito, a empresa oferece sementes geneticamente modificadas e pesticidas para ampliar o rendimento da terra. Vale lembrar que desde que comprou a Monsanto, em 2018, a Bayer herdou disputas judicuais no mundo todo em relação ao pesticida glifosato.
Em entrevista a Época NEGÓCIOS, Liam fala sobre os planos da empresa em impulsionar o sequestro de carbono pelos agricultores, sua visão sobre como criar uma cadeia de abastecimetnos mais resiliente e o papel do Brasil na adoção de práticas sustentáveis na agricultura.
Em uma palestra recente, você disse que a covid-19 evidenciou a urgência em lutarmos contra as mudanças climáticas. Por que?
Sim, acho que a pandemia expôs o quão frágil é o sistema alimentar. É um equilíbrio muito frágil entre oferta e demanda. E o que vimos com a covid foram choques de abastecimento, a cadeia de suprimentos de repente se quebrou, porque quase todos os países, no início da pandemia, fecharam suas fronteiras e os alimentos não podiam ser transportados livremente. Então, de um lado tivemos um choque de abastecimento. Do outro, houve um choque de demanda, porque as pessoas estocavam alimentos. Portanto, toda a cadeia de abastecimento foi enormemente desafiada em um espaço de tempo muito curto. É uma cadeia longa, os agricultores geralmente só podem produzir duas vezes por ano. E se as coisas mudam, eles não conseguem se adaptar tão rapidamente. Acho que o que realmente expôs foi a necessidade de um sistema alimentar mais resiliente. Nosso sistema alimentar precisa ser mais resiliente, mas também mais sustentável.
E quais são os desafios que enfrentamos hoje para uma agricultura mais sustentável?
Bem, acho que o maior desafio é a mudança climática. O Brasil vivencia isso, com muita estiagem nos últimos anos. O que estamos vendo em todo o mundo são padrões climáticos extremos – temos secas e inundações, ambos são ruins para a agricultura e resultados diretos das emissões de gases de efeito estufa. E o agronegócio é um dos setores que mais emite gases de efeito estufa, responsável por cerca de 25% das emissões globais de gases de efeito estufa. Então esse é o grande desafio.
E quais as soluções?
Eu acho que a solução potencial é que a agricultura pode não apenas emitir gases de efeito estufa, mas também sequestrar carbono. A agricultura pode se tornar parte da solução.
Como funcionaria essa captura de carbono?
A ideia básica é que se os fazendeiros podem usar certas práticas agrícolas sustentáveis, por exemplo, plantio direto, não arar o solo, e usando sementes de alto rendimento, podem produzir mais alimentos em menos terra e com menos recursos. E se eles fizerem isso da maneira certa, eles também podem obter a certificação para sequestrar carbono no solo. Isso pode abrir uma nova receita para os agricultores, porque eles receberão não apenas pelas safras que produzem, mas também pelos serviços prestados ao ecossistema. Pagamos a eles pelo carbono que sequestram no solo. Temos um programa em teste no Brasil e nos Estados Unidos.
De onde vêm os recursos com os quais vocês pagam os produtores pelo sequestro de carbono?
Olhamos para isso como parte da nossa inovação. Gastamos cerca de 2,3 bilhões de euros por ano em pesquisa e desenvolvimento. Grande parte desses investimentos vai para a área de sustentabilidade. Portanto, podemos usar parte desse financiamento para simplesmente recompensar os agricultores por práticas mais sustentáveis. Em última instância, queremos que os agricultores sejam certificados como tendo sequestrado carbono, e esses créditos poderão ser negociados em uma plataforma de comércio de emissões de carbono. E então outra empresa pode comprar esses créditos de carbono, não necessariamente nós. A Bayer, enquanto empresa, também tem as suas emissões. E como temos a meta de alcançar a neutralidade de carbono até 2030, temos que comprar esses créditos. Melhor comprá-los de produtores que são nossos clientes.
Qual o papel do Brasil nesse futuro mais sustentável para a agricultura? E quão avançados estamos em aplicar inovações para a sustentabilidade?
Sim, o Brasil é absolutamente fundamental para o progresso, seja com a pecuária ou no mercado agrícola. A agricultura no Brasil tende a usar muita inovação e tecnologia, em parte porque há propriedades muito grandes. Vemos muitas dessas fazendas grandes que precisam de inovação, precisam de tecnologia e geralmente estão muito interessadas em práticas sustentáveis, porque no final do dia, todo agricultor quer deixar a terra em uma situação melhor do que o que eles receberam dos pais e, de preferência, passar para a próxima geração. Há, é claro, uma grande discussão em torno do desmatamento, e nós vemos globalmente a necessidade de evitar o desmatamento. O Brasil tem uma área florestal fantástica. O que tentamos e fazemos aqui é garantir que os agricultores possam produzir o máximo possível, sem necessariamente ter que expandir suas terras. O objetivo final é produzir mais com menos.
Alguns especialistas expressaram preocupação sobre os investimentos em sustentabilidade durante e depois da pandemia. Você é otimista ou pessimista nessa questão?
Eu diria que não sou nem otimista nem pessimista. Temos um sistema muito claro, uma estratégia de ver a sustentabilidade como uma parte central do nosso negócio. Em algum momento a covid irá embora, a ciência resolverá, teremos uma vacina, e a vida continuará e todos nós podemos sair de casa. Mas as mudanças climáticas e os desafios que o planeta enfrenta do ponto de vista climático e ambiental ainda estarão lá. E a agricultura pode desempenhar um papel de liderança na abordagem desses desafios.
Como a pandemia afetou as operações da Bayer? Quais as adaptações que vocês tiveram que fazer nos negócios?
Tanto para a empresa quanto pessoalmente, tem sido um pouco como uma montanha-russa. O que mais me surpreendeu foi a rapidez com que todos se adaptaram ao trabalho em um ambiente virtual. Temos ainda várias pessoas que têm de trabalhar em campo, nas fábricas e laboratórios de pesquisa, para que tenhamos um futuro pós-covid. Mas para quem trabalhava no escritório, foi uma grande surpresa para mim. E acho que, particularmente para nossa empresa, as pessoas viram e veem a relevância do que fazemos. Porque somos uma empresa de saúde e agricultura, saúde e alimentação. O propósito do que fazemos ficou claro para todos. E isso dá um pouco mais de energia em tempos difíceis, porque você não está sozinho, o trabalho que você está fazendo vale a pena.
Fonte: “Época Negócios″, 06/11/2020
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